Uma história de unidade

Giovanni Alecrim
8 min readAug 13

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Quando o passado é revisitado para expor os erros do presente e nos chamar ao Reino de Deus

Acompanhe comigo a leitura do Salmo 105.1–6, 16–22 e 45 que farei na Nova Versão Transformadora:

[1]Deem graças ao SENHOR e proclamem seu nome;
anunciem entre os povos o que ele tem feito.
[2]Cantem a ele, sim, cantem louvores a ele;
falem a todos de suas maravilhas.
[3]Exultem em seu santo nome,
alegrem-se todos que buscam o SENHOR.
[4]Busquem o SENHOR e sua força,
busquem sua presença continuamente.
[5]Lembrem-se das maravilhas que ele fez,
dos milagres que realizou e dos juízos que pronunciou,
[6]vocês que são filhos de seu servo Abraão,
descendentes de Jacó, seus escolhidos.

[16]Mandou vir fome sobre a terra de Canaã
e cortou a provisão de alimento.
[17]Então enviou um homem adiante deles,
José, que foi vendido como escravo.
[18]Feriram seus pés com correntes
e com ferros prenderam seu pescoço.
[19]O SENHOR pôs José à prova,
até chegar a hora de cumprir sua palavra.
[20]O faraó mandou chamar José e o libertou;
o governante de nações lhe abriu a porta da prisão.
[21]José foi encarregado do palácio real
e se tornou administrador de todos os seus bens.
[22]Tinha toda a liberdade de instruir os assistentes do faraó
e de ensinar os conselheiros da corte.

[45]Tudo isso aconteceu para que guardassem seus decretos
e obedecessem a suas leis.
Louvado seja o SENHOR!

A história não é uma construção de um indivíduo único, mas se estende no que chamamos de tempo, chegando até nós, e seguindo para o futuro. O que hoje vivemos é fruto de uma construção dos nossos pais, avós, e uma infinidade de gerações antes de nós.

Ter a consciência que somos parte de um todo, e não indivíduos isolados, nos dá o sentido de pertencimento, e mais, nos faz compreender que nossas vidas não são um vazio, ou um fim em si mesmas.

Pensando social e historicamente, somos parte de um todo que chamamos humanidade, que pode ser recortada para estudo, mas que no fim é tudo humano.

Ao longo da história grupos sociais se dividiram, cresceram, se desenvolveram e desapareceram. Quando abrimos a Bíblia e lemos atentamente, encontramos diversos povos que não existem mais. Onde estão? Na história. No entanto, um pequeno povo tem se mantido firme e unido ao longo do tempo, vivo, unido.

Amós Oz foi um escritor israelense, cofundador do movimento pacifista Paz Agora, escreveu um livro interessante chamado “Os judeus e as palavras”. Ao debater a importância das palavras para seu povo, ele afirma que “O que manteve os judeus foram os livros”. Sujeito a todo tipo de perseguição, os judeus criaram o poderoso hábito de se reunirem em torno de sua história, preservada nas palavras ditas e escritas.

Amós Oz ainda enfatiza, ao falar do surgimento do texto bíblico, que “Seguramente os gregos tinham mais deuses, mas a Bíblia hebraica registrou mais seres humanos”. Diante de tal constatação, no entanto, Amós Oz nos revela que “Nós não admiramos, e muito menos idolatramos, nossos grandes antepassados. Alguns atenienses antigos são mais caros aos nossos corações do que a maioria dos israelitas bíblicos”.

É aqui que chegamos no nosso Salmo de hoje. Os dois maiores salmos históricos, 105 e 106, mostram a história de Israel desde a aliança com Abraão até Canaã.

No Salmo 106, a infidelidade do povo é enfatizada em contraste com a total fidelidade de Deus no Salmo 105. Este é o aspecto mais relevante do ensino dos salmos históricos.

Após um chamado para o culto, há uma afirmação histórica nos versículos 7–11. Depois, ela fala mais sobre a aliança com Abraão nos versículos 12–41. O versículo 42 fala sobre a aliança com Abraão e os versículos finais são equilibrados no final do salmo. Os primeiros quinze versículos deste salmo, com os Salmos 96 e 106.1,47,48, compõem 1 Crônicas 16.8–36, no contexto do ato de Davi de levar a arca da aliança para Jerusalém.

Embora com profundo senso histórico, e até sendo chamado assim por alguns comentaristas, não deixa de ser um Salmo, e, como tal, tem seu uso no ambiente do culto. Sim, os 45 versículos do Salmo 105 e os 48 do Salmo 106 eram cantados. Segundo alguns, juntos, seguidos um do outro por conta do aspecto de complementaridade que há entre eles.

Se era cantado no ambiente de culto, em que momento isso acontecia? Durante o momento de confissão de pecados. Aqui, uma confissão não de uma pessoa, mas de um povo. O povo pecou contra Deus, logo, precisa confessar seu erro.

A estrutura do Salmo apresenta um convite ao Louvor (vs. 1–7), o relato da história do agir de Deus com seu povo (vs. 8–41) e encerra com ação de graça (vs.42–45)

As palavras iniciais fornecem os fundamentos para os mandamentos seguintes. São uma convocação para louvar o Senhor, e é provável que sejam uma referência a Isaías 12.4. Ao louvar a Deus, o salmista quer que as pessoas lembrem das coisas boas que Ele fez, chamadas de “atos maravilhosos”, “prodígios” e “milagres”.

A série de mandamentos prossegue, com ênfase na divulgação de como Deus salvou o seu povo (vs. 2,3). O nome de Deus, ou seja, seu caráter, é evidenciado pelo que ele tem feito. Sendo assim, louvar é uma resposta adequada, e os que desejam adorá-lo devem chegar à sua presença com alegria.

No culto, o foco é o Senhor e seu poder (vs. 4–6). A força é um traço fundamental de Deus, e essa força é demonstrada nas suas ações bondosas em prol de seu povo. O salmista pede aos ouvintes que lembrem de como esse poder foi conhecido antes do êxodo. Deus realiza ações que somente ele tem a capacidade de realizar. O que acontecera no Egito era conhecido por todas as outras nações.

Nosso calendário litúrgico reserva um recorte deste salmo para nós neste 19º Domingo do Tempo Comum. Os versículos 16 a 22 apresentam um resumo do texto de Gênesis 37.39–41, mostrando como Deus preparou o caminho para o seu povo, enviando José para o Egito e o designando para uma posição de destaque.

Ele chegou ao Egito como um escravo, sendo vendido por seus próprios irmãos. A descrição de seu cativeiro é apresentada de forma poética, utilizando a imagem de um período posterior: “Feriram seus pés com correntes e com ferros prenderam seu pescoço” são formas de aprisionamento que não eram praticadas exatamente assim no antigo Egito.

José falou em termos proféticos, tanto em seus sonhos a respeito de sua relação com seus irmãos, quanto em sua interpretação dos sonhos de seus companheiros de prisão.

Finalmente, esta revelação de Deus se tornou realidade quando as coisas ocorreram conforme o que José havia predisse. Ele foi liberto da prisão e designado para ocupar o segundo posto no Egito, tendo sob seu controle os príncipes de faraó.

O salmo termina com uma ênfase à aliança com Abraão. O êxodo foi o cumprimento do que Deus lhe havia prometido muito tempo atrás. Israel tomou posse de uma terra completa, com casas, poços e vinhas, que outros haviam trabalhado para construir. O povo precisava mostrar mais do que apenas alegria. Eles foram ensinados a seguir os mandamentos do Senhor e a temê-los. A aliança exigia responsabilidades que o povo esperava honrar quando se conformou aos mandamentos de Deus e, dessa forma, aprendeu a santidade de seus caminhos. O hino, que começa com uma chamada para louvor, termina com um “Aleluia!”.

O que aprendemos com a jornada de exaltação do poder de Deus, confissão e arrependimento do povo e declaração de dependência do povo em relação a Javé?

Destaco, primeiramente, a importância de conhecermos quem somos e de onde viemos. Como Igreja, nossa história foi forjada por pessoas cujos nomes nos são, em sua maioria, desconhecidos.

Se pensarmos apenas em nossa Igreja local, podemos falar dos fundadores, das primeiras famílias, quem sabe um ou outro nome de destaque. Essa história está gravada na memória de alguns de nós aqui.

Olhar para os feitos do passado nos ajuda a compreender nosso papel no presente. Tenho comigo uma lista de necessidades urgentes para nossa igreja. Poderia tecer tal lista aqui e vocês encontrariam diversas justificativas e soluções.

A pergunta que faço a você é: o que você está fazendo com a história que as gerações passadas lhe confiaram? Vou além: que Igreja você entregará às gerações futuras?

Enquanto ouço relatos de pessoas inconformadas com a situação atual da Igreja, com ministérios precisando de estrutura e ação, o que me pergunto é: estamos buscando continuamente o Senhor e sua força?

O Salmo nos revela que buscar continuamente o Senhor e sua força passa por nos lembrarmos das maravilhas que ele fez, dos milagres que realizou.

É muito fácil encarar a realidade e encontrar um culpado, ou um grupo responsável. Difícil é olhar a história e se envergonhar por dedicar ao Corpo de Cristo nem um doze avos do que nossos antepassados dedicaram de tempo, recursos e empenho. E faço aqui uma confissão pública: é vergonhoso olhar os problemas e perceber a inércia que estamos. A começar em mim.

Destaco, ainda, que as histórias do passado são fundamentais para colocar em perspectivas quem somos. Se, segundo Amós Oz, o que manteve os judeus foram os livros, ouso dizer que o que manteve os cristãos unidos foram a leitura da Bíblia e oração, ambas em comunidade.

A vida comunitária é essencial para o fortalecimento da Igreja. Comece bloqueando sua agenda: o domingo é do Senhor. Dedique a ele. Viaje na sexta, festeje no sábado, celebre no domingo.

Invertemos as prioridades. A minha agenda é mais importante que a agenda da Igreja. Apenas para exemplificar, vou falar de algo que acontece ano após ano. Daqui a três semanas, quando formos decidir sobre a celebração de Natal, verei isso claramente em cada um dos envolvidos no preparo da programação especial. Dia 24 cai num domingo.

Desafio os membros da Igreja a priorizar a Igreja! Não só no dia 24 de dezembro, mas toda semana. Precisamos de vocês aqui, envolvidos, participantes, nos fortalecendo mutualmente.

José, cujo sumário de sua história é cantado nos versos 16 a 22 de nosso texto, sempre priorizou a fidelidade a Deus. Sua história aponta para um senso comunitário interessante: suas ações são reflexo de sua formação, seus atos culminam em benção para muitos.

O que você tem feito para abençoar a Igreja? O que você vai tirar da sua agenda para priorizar a agenda comunitária? Suas ações têm abençoado a muitos na Igreja? Você tem ao menos agido na e em prol de sua Igreja?

Concluo conclamando a todos para cumprirem o que os Salmos 105 e 106 apresentam. Olhe para história, aprenda com o passado, guarde os mandamentos de Deus, obedeça a estes mandamentos e se arrependa de seus erros.

Uma Igreja forte é feita com Bíblia e oração. Não é possível que, tendo a facilidade da tecnologia para nos unirmos em oração, menos de dez porcento da igreja esteja presente no culto de oração, quarta-feira à noite. É vergonhoso saber que muitos estão colocando seus interesses pessoais à frente da oração em comunidade!

Mexa na sua agenda, priorize a comunhão, esteja disposto e ativo na vida comunitária. Há muito a ser feito para estruturar e organizar, atrair pessoas e pregar o evangelho. O tempo é de unidade. Unindo vidas. Chega de desculpas, priorize a Igreja.

Se minhas palavras soam duras demais, quero te lembrar que esta é uma das funções dos pastores e pastoras da Igreja: despertar a comunidade para o que o Espírito Santo tem apontado como erro. Não podemos mais persistir no erro da indiferença e alienação em relação à realidade de nossa Igreja.

A igreja não é uma construção de um indivíduo único, mas da soma de cada um de nós, que nos faz ser corpo de Cristo, comum unidade a serviço do Reino de Deus, a começar aqui, no templo. Vivamos as palavras do salmista: “Tudo isso aconteceu para que guardassem seus decretos e obedecessem a suas leis. Louvado seja o SENHOR!”

Sermão pregado no dia 13 de agosto de 2023 na Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP

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