Um dia eu serei nada

Giovanni Alecrim
3 min readMar 26, 2023

--

Divagações sobre o não existir enquanto ainda se existe

Foto de Kaique Rocha: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pessoas-andando-na-faixa-de-pedestres-durante-o-dia-109919/

Um dia eu serei nada. Quando deixar de existir, talvez eu seja uma placa num cemitério — já deixo avisado que não quero — e uma lembrança na mente de meus filhos e, quiçá, netos. Quando muito, algum bisneto ou tataraneto xereta bisbilhotará o histórico da família tentando encontrar sentido para sua própria existência.

A finitude deveria nos aterrorizar, mas a ignoramos. Cerca de cento e oito bilhões de seres humanos já pisaram o chão desta terra, e oito bilhões pisam agora, e sabemos nominalmente da existência de, quiçá, um porcento deles.

O senso de finitude me apavora, tanto quanto me fascina. Ler tais palavras saídas de um autor cristão pode parecer fora de nexo, afinal, ser cristão é crer na vida eterna, é parte essencial de nossa fé.

A finitude me apavora, pois amo a vida. Amo viver, ainda que me canse, seja penoso e doloroso. Vivo essa relação tóxica com a vida: me é custosa, mas não quero deixá-la. Só que não há alternativa, nascer é morrer.

Lúcio Aneu Séneca ou Sêneca (4 a.C.-65) foi um filósofo estoico e um dos mais célebres advogados, escritores e intelectuais do Império Romano. Entre seus escritos, encontramos na carta XIII seus ensinos sobre os medos infundados. É dali que extraio a seguinte sentença:

Sofremos mais na imaginação do que na realidade.

Como seres humanos, conseguimos criar cenários, mundos imaginados. Literatura, teatro, cinema tão aí. Acontece que o fazemos em nossas realidades.

Antecipamos cenários irreais como se reais fossem. Imaginamos nossas vidas tomando rumos inimagináveis. Temos, decorado em nossa mente, o roteiro para “tudo dar certo”. E nunca acontece, e não acontecerá, enquanto mantivermos a dimensão de finitude longe de nós.

A noção de finitude coloca tudo em perspectiva. Vai acabar. Essa realidade vai acabar. Tudo irá acabar. Só que não podemos nos prender a esta finitude para justificar a inércia diante da realidade ao nosso redor. Devemos, antes, fazer dela combustível para a transformação.

Recorro a outro filósofo estoico, o Imperador Marco Aurélio:

Nós fomos criados para a cooperação mútua, como os pés, as mãos, as pálpebras, os dentes superiores e inferiores.

O que não é bom para a colmeia, não é bom para a abelha.

O senso de coletividade é o que manteve a espécie Homo sapiens viva. Homo neanderthalensis, Homo erectus, Homo floresiensis são algumas das espécies de seres humanos que conviveram com os Homo sapiens. Como sobrevivemos? Os neanderthalensis e erectus eram muito mais fortes que nós! Graças a habilidade de agir em comunidade.

No fim das contas, posso não saber o nome dos meus antepassados, nem como viveram, mas sei que a vida deles permitiu a minha existência.

Estamos todos na mesma colmeia, portanto, não podemos achar que vivemos na individualidade, que o “eu” se sobrepõe ao “nós”. O fim desse tipo de atitude é a mesma das outras espécies humanas que viveram antes dos sapiens.

Um dia eu serei nada. Não restará nem sombra de tudo o que fiz, produzi e pensei. Ainda assim, continuo a fazer, produzir e pensar. É da natureza humana.

A história da nossa existência nos forjou como series cooperativos. A finitude da minha existência é apenas um elo da completude da existência humana. Enquanto não compreendermos que somos parte de um todo, a existência individual e coletiva será de dor.

Um dia eu serei nada. E isso, por enquanto, me apavora na mesma medida que me basta.

--

--

Giovanni Alecrim
Giovanni Alecrim

Written by Giovanni Alecrim

Vida com Jesus, espiritualidade saudável, Bíblia, culto e teologia. https://bento.me/alecrim

No responses yet