Três passos
O que Deus quer de você
O que Deus quer de mim? Esta é uma pergunta que, volta e meia, me deparo com ela em minha jornada ministerial. Não foram poucas vezes que, tomados por problemas gigantescos, pessoas adentraram o gabinete pastoral em lágrimas me perguntando: o que Deus quer de mim?
A pergunta, muitas vezes, é mais retórica que literal. É fruto de um sofrimento pessoal e que, em sua maioria, estão ligados às profundezas da alma e a incompreensão de quem é Deus e quem somos diante de Deus. Ao perguntar “o que Deus quer de mim?” o que se quer é uma fórmula pronta, um manual com etapas a seguir para extirpar o sofrimento.
A resposta para este anseio não está no sofrimento que passamos, mas na jornada da vida que vivemos. O que Deus quer de você, e de mim, está expresso nas escrituras e, para compreender o que ele pede, vamos olhar para o texto de nossa passagem de hoje:
¹Ouçam o que o SENHOR diz:
“Levantem-se e apresentem sua causa!
Que os montes e as colinas sejam testemunhas de suas queixas.
²E agora, ó montes e firmes alicerces da terra,
ouçam a queixa do SENHOR.
Ele julgará seu povo,
fará acusações contra Israel.³“Ó meu povo, o que fiz para se cansarem de mim?
Respondam-me!
⁴Eu os tirei do Egito e os resgatei da escravidão;
enviei Moisés, Arão e Miriã para guiá-los.
⁵Ó meu povo, não se lembra de como Balaque, rei de Moabe,
planejou que você fosse amaldiçoado,
e como, em vez disso, Balaão, filho de Beor, o abençoou?
Não recorda sua viagem do vale das Acácias a Gilgal,
quando eu, o SENHOR, lhe revelei minha fidelidade?”⁶Que podemos apresentar ao SENHOR?
Devemos trazer holocaustos ao Deus Altíssimo?
Devemos nos prostrar diante dele
com ofertas de bezerros de um ano?
⁷Devemos oferecer ao SENHOR milhares de carneiros
e dez mil rios de azeite?
Devemos sacrificar nossos filhos mais velhos
para pagar por nossos pecados?⁸Ó povo, o SENHOR já lhe declarou o que é bom
e o que ele requer de você:
que pratique a justiça, ame a misericórdia
e ande humildemente com seu Deus.Miqueias 6.1–8
Primeiro, quero falar sobre o livro de Miqueias, para depois falar do capítulo 6. Quem é como Deus? Este é o significado do nome Miqueias, profeta oriundo de Moresete-Gate e contemporâneo de Isaías em Jerusalém. Fora isto, o que se sabe do profeta é que ele é citado em Jeremias 26.18 numa alusão à sua profecia.
Em sua estrutura o livro alterna por três vezes palavras de juízo e salvação, estilo comum nos ditos proféticos. Miqueias é marcado por uma intensa denúncia contra as injustiças sociais, com ênfase na questão ao direito do cultivo da terra.
Em linhas gerais, Miqueias denúncia os recursos jurídicos com os quais a classe alta desapropria os pequenos agricultores, tomando-lhes a herança que lhes cabe da parte de Deus. Miqueias anuncia juízo para Samaria, Judá e Jerusalém.
De forma particular, Miqueias responsabiliza os chefes, líderes e profetas pela situação existente. Diz Miqueias em 3.1–2: “Ouçam, líderes de Israel! Vocês deveriam saber o que é certo, mas odeiam o bem e amam o mal. Esfolam meu povo e arrancam a carne de seus ossos”.
Para Miqueias é importante o significado especial das concepções acerca de Sião. Os adversários do profeta são os que se apoiam na concepção de que Sião é morada de Javé e, portanto, mal algum aconteceria a eles. Miqueias, assim como Isaías, compreende que Sião não é a morada de Javé, mas ele está lá e pode se ausentar de lá, conforme a fidelidade de seu povo.
É neste panorama de luta pela terra e compreensão da ação divina que Miqueias encerra seu livro com uma fórmula litúrgica no capítulo 7, possivelmente um indício de que o livro era utilizado em celebrações no exílio.
Miqueias 6 está nesse contexto mais amplo. De maneira mais específica, olhamos para o nosso texto e encontramos nele o próprio Deus se levantando e apresentando sua queixa diante de todos para que Israel saiba que era culpada de suas ações. Javé começa convocando a própria criação como testemunha de suas palavras e, a partir daí, recorda três momentos da jornada de Israel.
O primeiro, a liderança de Moisés, Arão e Miriã em conduzir o seu povo na saída do Egito, onde foi escravo. O segundo momento, a transformação passada por Balaão, chamado para amaldiçoar o povo de Deus, ouviu sua jumenta conversar com ele e o Anjo do Senhor mudar o rumo de sua história. Por fim, o terceiro momento, a travessia do Rio Jordão, desde os vales das Acácias até Gilgal.
Por que recordar estes três momentos? E mais, por que citar Miriã? Nada está no texto bíblico por acaso. Há aqui um sentido implícito de direcionamento da vontade de Javé para seu povo. Moisés é o líder que mais lembramos. Arão é considerado por muitos, erroneamente, a meu ver, como assistente de Moisés. Precisamos lembrar que é Arão quem comanda as celebrações e cultos, é o sacerdote do Êxodo. E Miriã? É aquela que conduzia o povo na adoração. Ao passar pelo mar, ela convoca o povo para adoração.
Os três personagens do Êxodo e seu cenário se conectam com os demais personagens citados. Balaão e Balaque devem ser vistos em contraste a Moisés e Arão. Os primeiros se moviam por interesses outros que não o de Deus. A travessia do Jordão se dá tal qual a travessia do Mar.
Estes cenários recordados por Javé mostram a ação amorosa para com Israel. O povo perdido e escravo fora escolhido e guiado por Javé. O povo chamado para terra prometida seria alvo de uma maldição e Javé a transformou em bênção. Enquanto pensavam em como chegariam do outro lado do Rio Jordão, Javé mostrou sua fidelidade para com seu povo, o fazendo atravessar a seco.
Três personagens se destacam nesta rememoração de Javé. Arão, Miriã e Balaão. O primeiro, sacerdote chamado a conduzir o povo no culto. A segunda, profetiza a conduzir o povo em adoração. O terceiro, homem de poder chamado a amaldiçoar, é transformado por Javé em instrumento de bênção.
Em todos um elemento está presente: o culto a Javé. Cultuar é reconhecer o poder e o pertencer à divindade. Não se cultua a quem não se reconhece ser o deus de sua vida. Por isso o profeta, após as palavras de Javé, apresenta uma pergunta como sendo respostas do povo: Que podemos apresentar ao SENHOR?
A esta pergunta, acrescentam-se outras quatro, frutos da vivência do povo e das histórias que aprenderam e ouviram desde sempre. É holocausto? Bezerro de um ano? Milhares de carneiros e rios de azeite? Superlativando a quantidade para alcançar a bondade? O próprio filho mais velho? Seria uma referência a Abraão sacrificando o filho Isaque? Talvez uma referência ao sacrifício de crianças ao deus Moloque, praticado pelos povos da época? Seja o que for, o povo procura respostas na história, na cultura, mas se esquece de procurar a resposta nas próprias palavras de Javé.
O que Javé requer de seu povo são três coisas: pratique a justiça, ame a misericórdia e ande humildemente com seu Deus. Estas palavras não são novidade para aquele povo. Em Deuteronômio 10.12 eles tinham registrado o seguinte:
Agora, Israel, o que o SENHOR, seu Deus, requer de você? Somente que você tema o SENHOR, seu Deus, que viva de maneira agradável a ele e que ame e sirva o SENHOR, seu Deus, de todo o coração e de toda a alma.
E é muito provável que o público leitor de Miqueias tivesse conhecimento de Oseias 6.6:
Quero que demonstrem amor,
e não que ofereçam sacrifícios.
Quero que me conheçam,
mais do que desejo holocaustos.
Os três desejos de Javé para seu povo, portanto, não são nenhuma novidade e Miqueias sabe disso, pois inicia dizendo: o SENHOR já lhe declarou o que é bom e o que ele requer de você. E o que ele aponta para o povo de Israel é válido para nós também.
Ao requerer que o povo pratique a justiça, Javé não está pedindo que o povo siga um conjunto de condutas morais e éticas que conduzirão à justiça. A justiça de Deus não cabe nos manuais, regimentos, tomos e volumes das leis. A justiça de Deus transcende o conceito de justiça que desenvolvemos enquanto sociedade e enquanto indivíduos.
Praticar a justiça, portanto, é praticar com o nosso semelhante, na medida da nossa limitação humana, aquilo que Deus fez e faz conosco. Se não podemos prover libertação dos pecados e restauração, podemos apontar o caminho, a direção para mudança de vida. Praticar a justiça é viver a misericórdia e o amor.
Ao requerer que o povo ame a misericórdia, Javé está justamente tirando deles a audácia de querer praticar a justiça sendo juízes. Não estamos aqui para julgar, mas para agir amorosamente uns com os outros. A misericórdia se apresenta, portanto, como meio para nos despirmos do rancor e dos poderes para nos igualarmos àqueles que estão diante de nós sofrendo as consequências do pecado, sendo alvos de injustiças e perseguições pelos podres poderes deste século. Não se pode ser misericordioso sem agir com humildade. A soberba não tem lugar no reino de Deus.
Ao requerer que o povo ande humildemente, Javé está convocando para uma vida de empatia e respeito. A humildade não é sentir dó ou pena do outro. A humildade é ser Cristo na vida do outro. Recordando as palavras de Paulo aos Colossenses: Cristo é tudo que importa, e ele vive em todos. Colossenses 3:11
Não há espaço para soberba, orgulho e preconceito no Reino de Deus. Somos chamados para o serviço. Somos servos, e tal qual nosso Senhor humildemente viveu, somos chamados a viver.
O que aprendemos com Miqueias 6 e queixa de Javé para com seu povo? Que temos três passos dar, hoje, em direção à vontade de Deus para vivermos o que ele quer de nós.
O primeiro passo é praticarmos a justiça de Deus em todos os momentos da nossa vida. O segundo passo é amarmos a misericórdia, sendo misericordiosos. O terceiro passo é andar humildemente com Deus.
Sempre que referenciamos humildade, nos lembramos de Cristo. Javé, aqui em Miqueias 6, relembra três momentos em que exerceu justiça, misericórdia, humildade para com o povo. O Todo-poderoso Deus é humilde. Ande com ele, e com ele aprenda, para compreender que todo sacrifício, culto e adoração é vã se você não praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus.