Testemunho
A pessoa que se identifica como cristã, se presume, sabe que deve zelar pelo bom testemunho de sua fé, por meio de suas atitudes. Será mesmo?
O testemunho cristão é uma das mais eficazes ferramentas de evangelismo. Quando penso em testemunho, falo não apenas daquilo que Deus eventualmente fez na vida da pessoa, mas, principalmente, o alinhamento de sua maneira de falar e agir com os princípios da fé cristã. É aí que começam as confusões e eu quero falar sobre elas.
Primeiro precisamos compreender que a fé cristã não é uniforme. Existem diversas tradições e interpretações teológicas acerca do sagrado. Por conta dessa pluralidade de cristianismo, os usos e costumes são muito diferentes. O que nos coloca diante de uma infinidade de possibilidades de padrões éticos, morais e comportamentais. Só aqui eu já poderia encerrar e dizer que está resolvido o problema, pois relativizei, em certa medida, a questão do testemunho. Mas não, não paro, sigo adiante.
Em segundo lugar precisamos compreender que não há uma vertente cristã no mundo que justifique ou endosse a agressão ao próximo, a violência. — Agora entram os críticos do cristianismo para dizer que passamos séculos matando em nome de Jesus. Sim, é verdade, e ainda acontece, mas embora o façam em nome de Jesus, basta ler o evangelho para saber que não é assim. Voltemos ao segundo ponto. — A violência é condenada e, a violência contra o fraco, o oprimido, o pobre, o indefeso é abominada a ponto de ser alvo da justiça de Deus.
Terceiro, nem todo mundo que você acha que é evangélico, é evangélico. Explico. O termo evangélico define, em sua origem, os que são adeptos e seguidores dos textos do Evangelho. Cabe todos os cristãos dentro dele. No Brasil, quando alguém se diz evangélico, o faz por contraposição ao ser católico. O termo não surge no uso popular como definição positiva, mas de embate, de confronto. Mais recentemente, o termo passou a se referir a um grupo de pessoas que não pertence às igrejas históricas, Presbiterianas, Luteranos, Metodistas etc.
Quarto, quando falamos do testemunho de uma outra pessoa que não o nosso próprio testemunho, parece ser natural julgarmos e condenarmos a atitude da pessoa, sem refletir no contexto, situação, fé que professa e todas as variáveis. É difícil, mas precisamos fazer o exercício de não nos colocarmos como juízes, mas sim aprendizes de como não agir, para que não venhamos a cair, e mais, precisamos agir solidariamente, estendendo a mão para que a pessoa se recupere.
Quando surge um episodio como o do jogador brasileiro acusado de estuprar uma mulher num hotel em Paris, o que chama atenção é que este jogador se identifica como evangélico. A pergunta que ouvi, recentemente de um não cristão, foi: ué, cadê o testemunho do rapaz? A minha resposta foi dizer a ele que depois responderia, pois precisava pensar na pergunta com calma. Pensei, e nasceu esse texto. O testemunho do rapaz está coerente com aquilo que pregam a maioria das chamadas igrejas neopentecostais que se identificam com a teoria da prosperidade. Sim, é verdade. Ele é um vencedor, tudo que ele quer ele pode ter, ele é escolhido para vencer, não para perder. É isso que prega tal teoria. Logo, não há nada de incoerente no testemunho dele, mas há algo muito fora do eixo em seu caráter e senso de humanidade, e isso não precisa nem o caso de estupro ser verdade para se notar em seu testemunho. Antes que a patrulha venha me dizer que eu estou julgando, não, estou analisando friamente as atitudes dele em consonância com a fé que ele professa. Apenas isso.
O machismo estrutural na humanidade é gritante. Neymar Jr não é o primeiro caso. Robinho, Cristiano Ronaldo, no passado outros jogadores também foram acusados. Em todos eles, a conduta da imprensa esportiva é relativizar a queixa e partir para a justificativa de que o atleta é bom de bola, lucrativo, ou seja, a tendência é partir para o argumento de que é golpe. Seja golpe ou não, não importa, a linha que separa o que é do que não é estupro não é tênue, é clara demais e é expressa em três letras apenas, entendam que quando uma mulher fala não, é NÃO!
Para finalizar, o que Neymar Jr precisa, neste momento, é reconhecer seus erros, quer seja fato ou não o estupro, sendo fato o crime, cumprir sua pena e encontrar cristãos que estejam dispostos a caminhar com ele para que sua vida seja transformada pelo poder do Espírito Santo. Não adianta querer exigir atitudes coerentes com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo de quem aprendeu a viver sua fé com base na teoria da prosperidade e nas leis do mercado financeiro, especificamente, o mercado do futebol.