Profetiza, Igreja!
O vale dos ossos secos como motivação para a Igreja de Cristo diante da urgência climática
¹A mão do SENHOR veio sobre mim, e o Espírito do SENHOR me levou a um vale cheio de ossos. ²Ele me conduziu por entre os ossos que cobriam o fundo do vale, espalhados por toda parte e completamente secos. ³Então ele me perguntou: “Filho do homem, acaso estes ossos podem voltar a viver?”.
Respondi: “Ó SENHOR Soberano, só tu o sabes”.
⁴Então ele me disse: “Profetize a estes ossos e diga: ‘Ossos secos, ouçam a palavra do SENHOR! ⁵Assim diz o SENHOR Soberano: Soprarei meu espírito e os trarei de volta à vida! ⁶Porei carne e músculo em vocês e os cobrirei com pele. Darei fôlego a vocês, e voltarão à vida. Então saberão que eu sou o SENHOR’”.
⁷Assim, anunciei essa mensagem, como ele me havia ordenado. De repente, enquanto eu profetizava, ouviu-se em todo o vale o barulho de ossos batendo uns contra os outros, e os ossos de cada corpo estavam se juntando. ⁸Então, enquanto eu observava, músculos e carne se formaram sobre os ossos. Em seguida, pele se formou para cobrir os corpos, mas ainda não respiravam.
⁹Então ele me disse: “Filho do homem, profetize aos ventos. Anuncie-lhes uma mensagem e diga: ‘Assim diz o SENHOR Soberano: Ó fôlego, venha dos quatro ventos! Sopre nesses corpos mortos para que voltem a viver!’”. ¹⁰Anunciei a mensagem, como ele me havia ordenado, e espírito entrou nos corpos. Todos eles voltaram à vida e se levantaram, e formavam um grande exército.
¹¹Então ele me disse: “Filho do homem, esses ossos representam todo o povo de Israel. Eles dizem: ‘Tornamo-nos ossos velhos e secos; não há mais esperança. Nossa nação acabou’. ¹²Portanto, profetize para eles e diga: ‘Assim diz o SENHOR Soberano: Ó meu povo, eu abrirei as sepulturas do exílio e os farei sair delas. Então os trarei de volta à terra de Israel. ¹³Quando isso acontecer, meu povo, vocês saberão que eu sou o SENHOR. ¹⁴Soprarei meu espírito em vocês, e voltarão a viver, e eu os trarei de volta para sua terra. Então saberão que eu, o SENHOR, falei e cumpri o que prometi. Sim, eu, o SENHOR, falei!’”.
Ezequiel 37.1–14
Venha comigo e pense nessa cena: o ar está tomado pelo cheiro de terra queimada. No primeiro plano, há um resto de ossos. Ao fundo, vemos mais terra queimada e algumas árvores mortas e esparsas. Há uma névoa no ar que sugere atividade recente de fogo. Poderia ser o vale de ossos secos, mas é só mais uma das milhares de fotos que se espalham pela internet, refletindo a realidade do nosso país há anos.
Hoje, quero voltar meus olhos para o texto de Ezequiel e te conduzir a refletir no papel da Igreja na crise climática que se estabeleceu no planeta e, mais especificamente, como nós, uma comunidade de apenas quarenta, cinquenta pessoas, podemos agir para mudar o que nós, humanos, estamos fazendo com o nosso planeta.
Mas antes, vamos entender o contexto do livro e do capítulo 37 do livro do profeta Ezequiel.
Explicação
Em 597 a.C., no quando da primeira deportação para o exílio, dentre os membros da elite econômica, política e religiosa, estava o sacerdote Ezequiel. Sua atuação foi de 593 até aproximadamente 571 a.C. A linguagem utilizada pelo profeta se enquadra nos chamados textos de teologia da glória: o profeta escreve para proclamar a glória de Deus. Característica esta que marca a atuação de seus discípulos, que são responsáveis pela escrita e redação final de seu livro.
Há certa controvérsia no título profético do livro, que é escrito em estilo sacerdotal e tem profundas afinidades com o estilo sacerdotal do Pentateuco. Sua mensagem encontra consonância com a dos profetas Isaías e Jeremias, defendendo uma relação de não confrontação com os babilônios e/ou assírios, mas de acomodação pacífica à realidade. Á semelhança do que vimos no bloco da História Deuteronomista, Ezequiel entende o exílio como um castigo merecido pela renúncia de Israel a Javé e sua prostituição com deuses de outras nações.
A estrutura do livro é simples:
- 01–24: palavras de desgraça contra Israel e Judá
- 25–32: palavras de desgraça contra as nações estrangeiras
- 33–39: palavras de salvação após a destruição de Jerusalém
- 40–48: a nova Jerusalém
Dois aspectos chamam atenção no livro. O primeiro é o tratamento usado por Deus para designar o profeta: “filho do homem”. Não podemos confundir este uso em Ezequiel com o uso que o Novo Testamento faz do termo. O segundo é o frequente uso da chamada fórmula do reconhecimento: “Reconhecereis que sou Javé”. Usada mais de 80 vezes em todo o livro, a fórmula aponta para o reconhecimento de Deus através de acontecimentos históricos que acontecerão no futuro sobre Israel e as nações do mundo. Tudo para enfatizar que a história é efeito da ação de Javé — e somente de Javé! Ambos os aspectos mostram, à sua maneira, a tendência teocêntrica da profecia do sacerdote Ezequiel
O nosso capítulo está no contexto das palavras de salvação após a destruição de Jerusalém. Diante da terra arrasada, o profeta é conduzido a um vale cheio de ossos. Três perguntas surgem deste preâmbulo da profecia: 1. Ezequiel foi levado literalmente ou é uma visão? 2. Que vale é esse? 3. De quem são esses ossos? Temos algumas pistas para compreender melhor.
Ezequiel foi levado literalmente ou é uma visão? A esta pergunta não temos uma resposta exata. Sempre que a formulação “a mão do Senhor veio sobre mim” é usada, estamos falando do controle total de Javé sobre a vida da pessoa de tal maneira que, o que pode ser real, na verdade, pode ser uma visão. O que nos interessa é que o profeta foi tomado pelo Senhor e conduzido para um vale.
Que vale é esse? Embora sejamos levados a pensar que possa ser um vale genérico, em um lugar qualquer, é mais provável, dada a circunstância da visão, que seja um lugar de conhecimento do profeta. Alguns comentaristas ousam afirmar ser o vale abaixo de Jerusalém, o que, dado o contexto, pode bem ser mesmo. O que nos interessa é que o profeta foi tomado pelo Senhor e levado para um vale, onde contemplou o vale tomado por ossos secos.
De quem são esses ossos? Essa é a mais fácil de responder das três perguntas, o verso 11 nos responde: Então ele me disse: “Filho do homem, esses ossos representam todo o povo de Israel. Eles dizem: ‘Tornamo-nos ossos velhos e secos; não há mais esperança. Nossa nação acabou’. Portanto, Javé tomou o profeta, o levou a um vale e ali mostrou todo o Israel morto, só ossos secos pela ação do tempo.
A essa altura do sermão você deve estar se perguntando: o que o vale dos ossos secos tem a ver com celebrar a criação? Existe uma ordem de Javé no vale dos ossos secos que ecoa até hoje para nós, cristãos da segunda metade do século XXI. “Profetize a estes ossos”.
Esta mensagem ecoa em nós, pois estamos diante de três biomas que estão se transformando em enormes vales de ossos secos, correndo o risco da nação se tornar um enorme vale de ossos secos.
Diante de cenas como a descrita na abertura dessa mensagem podem ser facilmente vistas quando se procurar informações sobre o que está acontecendo no nosso país. É com essa imagem em mente que quero convidar você a olhar para três verdades que vão nos conduzir à única solução para esta questão: Profetiza, Igreja!
Javé é quem nos dá a visão.
A primeira grande verdade é que Javé é quem dá a visão. Você pode se iludir com mentiras contadas por todos os lados, mas o fato de que Deus está nos mostrando, diariamente, que nosso modelo de vida está consumindo o mundo e destruindo a criação é uma realidade.
Diante do vale de ossos secos, Javé revela a condição atual para o profeta Ezequiel. Veja, um povo inteiro morto, tão morto, que já está só esqueleto.
Abro parênteses para você ter uma ideia de que, após a morte, o corpo leva de 2 a 4 dias para entrar em estado de putrefação, de 4 a 10 dias para a chamada decomposição ativa, de 10 a 30 dias para decomposição avançada e a esqueletização leva de meses a anos. Fecha parênteses.
A visão que Deus dá a Ezequiel é da morte há muito tempo, os ossos já estão secos pela exposição prolongada, muito prolongada, ao sol e à ação do tempo.
Diante deste cenário de destruição, o profeta e a igreja, é chamado à responsabilidade: Filho do homem, acaso estes ossos podem voltar a viver? Igreja, acaso a terra pode voltar a viver?
O cenário é desolador e as perspectivas mais ainda. Já estamos no estágio do não retorno, no entanto, mantemos a esperança. Tem como? “Ó SENHOR Soberano, só tu o sabes”.
Diante da destruição do pecado, da ganância e dos podres poderes deste mundo, a Igreja é levada a proclamar a vida. O que faremos? O que falaremos?
Javé é quem nos dá as palavras.
Javé nos diz o que dizer. Ezequiel recebeu palavra por palavra o que dizer diante do caos à sua frente. Num processo didático, a recomposição do corpo humano é mostrada na reversão da decomposição, conforme conhecida na época.
Em suas palavras, Javé manifesta o seu poder: o sopro da vida trará os ossos de volta, não uma nova criação, mas a restauração da vida do que fora consumido e tomado. A vida se recriando e se renovando. Diante do poder restaurador de Deus, não restará alternativa a não ser reconhecer que ele é o Senhor.
Estamos dispostos a, diante do caos do clima, a proferir as palavras de vida que Deus nos ordena? Preservar a cuidar do nosso planeta é um dever da humanidade. Fomos criados como parte de um organismo vivo único e parte de um todo da criação. Não estamos descolados do planeta, somos parte dele, e só temos este planeta aqui. Javé fala por meio do profeta e sua palavra se cumpre. Precisamos falar e agir no poder do Senhor!
Javé é quem cumpre suas palavras.
O pecado vem à tona. Aqueles ossos secos eram o povo de Israel, morto há tempo, antes mesmo da entrada de neobabilônicos em Jerusalém. Um povo que escolheu viver segundo seus preceitos e prazeres, extorquindo, roubando e matando. É este povo que é chamado de volta à vida.
O arrependimento é conclamado. Se Javé é capaz de devolver a vida a um vale de ossos secos, ele restaurará a sorte de Israel, mas não, sem antes entender a urgência do arrependimento. A cena do vale de ossos secos é um alerta de Javé: vocês morreram pelas suas próprias atitudes, mas eu posso dar vida.
A vida se faz nova. Os ossos começam a se bater, os esqueletos a se formarem, órgãos, músculos e carnes se reunindo e formando um corpo. No entanto, ainda faltava algo: em seguida, pele se formou para cobrir os corpos, mas ainda não respiravam. O que faltava? O próprio Javé ordena: Ó fôlego, venha dos quatro ventos! Sopre nesses corpos mortos para que voltem a viver!
Sem Javé, sem vida. A resposta para o caos climático é voltar a dar fôlego de vida à criação. Isso só será possível com a ação enfática e ativa da igreja na denúncia dos crimes ambientais e na conscientização de que somos mordomos da criação. Ou nos movemos e tomamos o lado da vida em detrimento do lucro e da ideologia política, ou secaremos tal qual os ossos no vale.
Conclusão: Profetiza, Igreja!
Profetiza, Igreja! No contexto do Antigo Testamento, o profeta era pessoa vocacionada por Deus para entregar uma mensagem de denúncia, exortação e restauração. No contexto do Novo Testamento, o profeta é aquele que recebe a mensagem de Deus e age com poder, sabedoria e discernimento. Somos chamados a sermos profetas do nosso tempo. Entregar a mensagem de denúncia, exortação e restauração com poder, sabedoria e discernimento.
Por isso eu reafirmo: profetiza, Igreja! Revele o pecado do homem sobre a terra. Exponha a exploração em busca do lucro. Denuncie a maldade de quem destrói por prazer. Revele as consequências do pecado da destruição da terra.
Proclame a justiça de Deus sobre aqueles que exploram a terra. Proclame a justiça para os oprimidos das explorações da terra. Aponte o caminho da justiça e que não fomos chamados para lucrar nada, mas para cuidar e preservar.
Saiba que só Deus pode restaurar a terra. E nós só temos uma e não temos como reproduzir outra. Em 2008, a animação Wall-E debateu esse tema, ao expor que, mesmo vivendo em uma espaçonave com tudo o que é necessário, a vida só acontece na terra, em contato com a criação. Nenhuma máquina é capaz de reproduzir a vida, ainda que pareça muito real.
Profetiza, Igreja! Decida hoje se você vai continuar conivente com a destruição de nosso planeta, ou se proclamará a justiça. A Igreja é convocada por Cristo para anunciar a salvação até que ele venha. Sabe quem espera por este dia? Os humanos? Não apenas, mas toda a criação. Ouça o que Paulo, o apóstolo, diz em Romanos 8.18–21:
¹⁸Considero que nosso sofrimento de agora não é nada comparado com a glória que ele nos revelará mais tarde. ¹⁹Pois toda a criação aguarda com grande expectativa o dia em que os filhos de Deus serão revelados. ²⁰Toda a criação, não por vontade própria, foi submetida por Deus a uma existência fútil, ²¹na esperança de que, com os filhos de Deus, a criação seja gloriosamente liberta da decadência que a escraviza.
Até que Jesus venha, Maranata, fica a missão: profetiza, Igreja!