Pergunte ao pastor

Giovanni Alecrim
27 min readFeb 19, 2024

47 perguntas que tive o prazer de receber e responder

Foto de Leeloo The First: https://www.pexels.com/pt-br/foto/2-decoracoes-em-formato-de-coracao-de-madeira-branca-5428830/

As perguntas estão na ordem que recebi à época e grafadas tal qual recebi. Espero que curtam.

1. Quem é o autor de Hebreus?

Foi a Apóstola Priscila. Calma, brincadeira! Mas bem que podia, hein? Esta pergunta, quem a faz, geralmente tem para si que a autoria é do Apóstolo Paulo de Tarso. Não estou dizendo que este é o caso. O fato é que não sabemos a autoria, mas é natural pensar em Paulo, porém, a pesquisa bíblica indica haver muito pouco do estilo e vocabulário paulino em Hebreus.

Perceba que rigidez teológica nem sempre resolve algumas questões. Aliás, eu abomino a rigidez teológica por causa disso. Não dá para ter resposta para tudo, pois não há resposta para tudo, a construção do texto bíblico é um dos exemplos disto.

2. Qual a importância da exegese para a mensagem? E o quanto a aplicação de um texto pode ser influenciada por isso?

Primeiro vamos conceituar o que é exegese, tem gente que não sabe. Exegese é uma análise, interpretação ou explicação detalhada e cuidadosa de uma obra, um texto, uma palavra ou expressão. A exegese bíblica, enquanto matéria do saber teológico, se ocupa de explicar o texto bíblico, procurando encontrar seu significado, razão e origem. Ela é fundamental para a mensagem e, compreendo bem a dificuldade de tempo e manejo dos pregadores em não fazê-la, recorrendo a manuais de quem já fez. A aplicação do texto é totalmente influenciada pela exegese, visto que a aplicação surge do texto.

3. Quem era o homem que levava o cântaro de água em Lucas 22.8 e seguintes.

Nesta passagem, se você não a conhece, encontramos Jesus preparando a páscoa e dizendo a Pedro e João para procurar um local, indicando um homem que estará carregando uma vasilha de água na entrada de Jerusalém como aquele que indicará o local. Pois bem! Sabemos quem ele é? Não. O texto não diz nada.

4. Marcos era o homem nu?

Marcos 14.51–52 registra que “Um jovem que os seguia vestia apenas um lençol de linho. Quando a multidão tentou agarrá-lo, ele deixou para trás o lençol e escapou nu”.

Já ouvi essa história antes: “ah, tá registrado aí porque Marcos queria dizer que era ele”. Não, só está registrado porque está, e pronto. Era? Não era? Não dá para saber. É isso.

5. Por que Débora era juíza regular em tempos de guerra e Lapidote não deu pitaco?

Débora foi juíza porque Deus vocaciona homens e mulheres para a liderança. Lapidote não deu pitaco por não ser ele o vocacionado, e sim ela. Simples assim.

6. Por que os livros de Lucas e Atos foram separados?

Eles foram? Essa é uma corrente de pensamento que eu não sei se tem respaldo histórico e textual para afirmar. Tem corrido esta teoria, mas não me convence muito. Atos parece ser continuidade de um texto já existente. Foi separado de Lucas? Desconfio que não, creio que foram escritos em separado. É continuidade do Evangelho? Parece que sim, mas não temos como afirmar isso categoricamente.

Perceba que rigidez teológica nem sempre resolve algumas questões. Aliás, eu abomino a rigidez teológica por causa disso. Não dá para ter resposta para tudo, pois não há resposta para tudo, a construção do texto bíblico é um dos exemplos disto.

7. O Espírito Santo recebeu nome de “consolador” somente no Novo Testamento ou já era chamado assim antes e é só uma questão de tradução?

Até onde eu sei, “parákletos” que traduzimos como Consolador é um conceito neotestamentário de Espírito Santo. Quando nos referimos ao Espírito Santo no Antigo Testamento, nós, cristãos, encontramos termos como Espírito de Javé, Espírito do Senhor.

8. O batismo é essencial para a salvação?

Santo Agostinho define os sacramentos como “Sinal visível de uma graça invisível”. Gosto deste conceito aplicado ao sacramento do Batismo. Devemos batizar, isso é um sacramento e uma ordenança divina. O não batizado é salvo? Pela graça, cremos que sim. Há situações em que é impossível batizar? No meu entendimento, são raríssimas tais situações. Portanto, deixar de batizar não é uma opção para o cristão. O batismo é o selo desta salvação. É a declaração pública dela, inclusive para nossos filhos.

9. O anti-cristo é uma pessoa, várias ao longo do tempo, ou uma/várias instituições? Ou tudo isso?

É tudo isso e mais alguma coisa que possamos imaginar ou que nossa fábrica de deuses possa construir. Tudo que se opõe a Cristo é anti-cristo. Temos que parar de procurar um inimigo comum e compreendermos que nosso maior inimigo reside em nós e se chama pecado. Enquanto negarmos que somos nosso maior inimigo e que somente a graça de Deus é que nos permite vencê-lo, nascendo de novo com Cristo, continuaremos procurando um anti-cristo na história, ainda que seja em nossa história particular.

10. Servir a Igreja com “amor” X Trabalho não-remunerado (com muitas exigências, por sinal!)

Vou tentar entender melhor, por isso, vou divagar um pouco. Servir é com amor, não pode ser diferente. Voluntariar-se é parte do servir. A questão é quando o voluntariado na Igreja se torna algo penoso, não no sentido do martírio, mas das exigências exploratórias dos líderes da Igreja. Aí, não é serviço, é vassalagem. Pensa bem. Se uma igreja explora um voluntário, ele deixou de ser voluntário e passou a ser serviçal da Igreja.

11. 2 Samuel 12.24–25 diz que Davi deu o nome de Salomão e na continuação verso 25 diz que mandou o profeta Natã lhe desse o nome de Jedidias. Minha dúvida: o porquê de dois nomes?

A resposta mais direta para a pergunta é: porque Deus mandou chamar de Jedidias. A explicação longa é: Jedidias significa “amado de Javé”. Agora, vamos ao contexto. De quem Salomão é filho? De Bate-Seba. Após a morte do filho com Bate-Seba, aquele concebido em pecado de Davi e que gerou assassinato de Urias, Davi se casa com Bate-Seba e ela engravida novamente. Este segundo filho, gerado dentro da tradição da época, é de agrado de Deus. É como se o Senhor estivesse dizendo a Davi: eu amo seu filho, seu pecado é perdoado, fique em paz.

12. Qual é uma boa rotina devocional?

Oração e leitura da Bíblia. Como? Quando? Periodicidade? Vou tentar te dar uma ideia: reserve um tempo para você e Deus. Coloque na sua agenda, se necessário. Separe um roteiro de leitura da Bíblia. Existem vários na internet. Faça diariamente, ou semanalmente, ou dia sim, dia não, mas faça. Estabeleça um padrão. Qualquer dificuldade, não retroceda. Crie o hábito da oração e leitura.

13. O quão envolvido presencialmente na Igreja um membro deve ser?

O tanto quanto for possível. Igrejas, principalmente aquelas que são igrejas mesmo, e não centro de entretenimento religioso, carecem de pessoas para servir nas diversas áreas. Igreja a gente vive. É muito difícil, à luz de Atos 2 Atos 4, conceber uma igreja que não haja envolvimento das pessoas na oração, estudo e serviço aos necessitados. Por isso, envolva-se presencialmente o tanto quanto for possível.

14. A igreja deve fornecer formação ou estudo de sua linha confessional gratuitamente?

No meu entendimento, e no da constituição da Igreja que sou pastor, a Igreja Presbiteriana Independente do Brasil, é dever da Igreja oferecer aos seus membros estudo e formação da linha confessional, ou seja, de como e porque a Igreja acredita em Deus da forma que acredita. É o básico.

15. Como saber se devo estudar teologia como segunda graduação?

Comece se perguntando: para quê quero estudar teologia? Você pode ter um monte de respostas e nenhuma delas ser “quero ser pastor ou pastora”. Teologia ajuda a pensar criticamente, estudar e se aproximar do sagrado com o devido respeito e cuidado. Não cerceia o pensamento, pelo contrário, estimula o estudo dos temas teológicos em constante diálogo com as demais áreas do saber. Se você tem a oportunidade, estude Teologia, de preferência em uma faculdade que seja da sua confissão de fé. Você poderá servir em diversas áreas na Igreja, auxiliando ministérios de ensino, música, pregação, evangelização com as ferramentas e saberes que adquirirá no caminho.

16. Por que Judas cita dois livros deuterocanônicos na sua carta?

Vamos começar explicando o que são livros deuterocanônicos. Eles também são chamados de Apócrifos e, desde a época da Reforma, no século XVI, se convencionou chamar de apócrifos os livros que constam na Bíblia grega e latina, mas não possuem um original hebraico. Há muita desinformação sobre eles no meio evangélico. Quem melhor definiu suas funções para nós, que não os temos em nosso cânon é o reformador Martinho Lutero, que sobre os livros apócrifos afirmou que eles “não são equiparáveis à Escritura Sagrada, mas úteis e bom de ler”. É importante pontuarmos que os autores do Novo Testamento desconheciam os limites do cânon, e por isso, encontramos citações a eles no Novo Testamento. Isso nos mostra que o fato de um livro não ser canônico para nós, no século XXI, não signifique que ele não tenha sua importância histórica. A discussão sobre ser ou não canônico já está superada na academia bíblica e, para nós, Cristãos Reformados, saber o conteúdo destes livros é importante para não nos deixarmos levar por preconceitos que só dividem e não acrescentam nada ao diálogo em prol do Reino de Deus. Precisamos lembrar que os textos do Antigo e Novo Testamento não foram compilados no mesmo período que foram escritos. Muito do que chamamos de deuterocanônico era usado correntemente pelos judeus no século I. Nada disso invalida os textos. Aliás, a maioria dos textos deuterocanônicos deveriam ser lidos por nós, para compreendermos melhor contexto histórico, pensamento e no que criam os judeus no passado.

17. Pastor, diferente de JESUS, por que o cristão atual vive debatendo a CONDUTA MORAL de todos?

Porque insistem em confundir moralidade e pauta moral com Evangelho.

Quando pautamos nossa espiritualidade apenas pela moralidade, resolveremos tudo na régua moral, e essa conta nunca fechará, pois a nossa espiritualidade não é moral, é graça. A vida com Cristo é graça eterna. Cometemos erros, falhamos grande e constantemente, ainda assim, a graça de Deus nos basta. O medo de quem defende a pauta moral como regra de fé e prática é que, ao abandoná-la, se perca o controle da vida. E é justamente para isto que Jesus nos chamou, para tirar de nós os controles pesados do jugo da moralidade e carregarmos o jugo suave da graça de Deus sobre nós. Nascer de novo implica em dizer que não mandamos mais em nossas vidas. Enquanto pautarmos nossa vivência de fé numa guerra de moralidade, ou guerra contra o pecado, nós estaremos negando a vitória de Cristo na cruz. O pecado já está vencido. Ao vencer a morte, Jesus nos libertou do peso do pecado e da lei. A moralidade cristã não reside num conjunto de regras de comportamento, a isto damos o nome de lei. A moralidade cristã reside na graça de Deus. Não há uma lista de pecados, mas sim uma variedade de frutos do Espírito que posso me apossar deles e viver, com graça e amor.

18. O que fazer para não detestar conviver com a chatice dos crentes? Todos querem ter razão…

Amar. É o único jeito. Devemos amar, inclusive, os chatos. Eu sei que é difícil conviver com pessoas chatas e que pensam e agem de maneira impositiva. O que temos a oferecer a estas pessoas é a graça de Deus como meio de vida. Você não é obrigado a tolerar uma pessoa tóxica em sua vida, mas é seu dever, como cristão, amá-la.

Entendo que esta é uma questão difícil, ainda mais se for o convívio no ambiente da igreja, na comunidade dos crentes. Particularmente, penso que devemos orar muito para saber se a comunidade em que estamos é a comunidade que Deus quer para nós. Hoje existe uma infinidade de Igrejas, procure aquela em que você pode servir com liberdade e liberalidade, sendo cuidado e amado.

19. Devo perdoar o meu “irmão” mesmo quando ele não, e nunca, se comporta como um irmão?

SIM! Deve! Só isso? Não, pastor sabe lá falar pouco? Olha só, é o seguinte, a atitude equivocada e errada do meu irmão deve ser por mim exortada, apontada e deixada clara para ele que é um erro, quer para mim, quer para com os outros. Um dos maiores desafios que temos, na relação cristã, é deixar claro que o outro está nos magoando, nos ferindo, e que a atitude dele não condiz com a Palavra de Deus. Devemos sempre fazer isto com temor e tremor, fundamentado no que diz Mateus 18.15–17: “Se um irmão pecar contra você, fale com ele em particular e chame-lhe a atenção para o erro. Se ele o ouvir, você terá recuperado seu irmão. Mas, se ele não o ouvir, leve consigo um ou dois outros e fale com ele novamente, para que tudo que você disser seja confirmado por duas ou três testemunhas. Se ainda assim ele se recusar a ouvir, apresente o caso à igreja. Então, se ele não aceitar nem mesmo a decisão da igreja, trate-o como gentio ou como cobrador de impostos. Em outras palavras, busque conciliação, não tem como? Venceu todas as etapas, entregue na mão de Deus e siga em paz.

20. Pedir para descer fogo do céu sobre os desafetos, pode?

Se algum cristão diz que deve orar para descer fogo do céu sobre um desafeto, diga para ele em alto e bom som: Anátema! Em seguida, leia para ele Mateus 5.43–45/; “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo’ e odeie o seu inimigo. Eu, porém, lhes digo: amem os seus inimigos e orem por quem os persegue. Desse modo, vocês agirão como verdadeiros filhos de seu Pai, que está no céu. Pois ele dá a luz do sol tanto a maus como a bons e faz chover tanto sobre justos como injustos.

Eu sei que tem gente que importuna. Também sei que tem gente que é maldosa e cujas atitudes levam muitos à morte, quer literal, quer emocional ou espiritual. Ainda assim, eu tenho que dizer para mim mesmo, todos os dias, que eu tenho que amar aquele a quem quero pedir para descer fogo do céu sobre ele. Então, não, não pode pedir para descer fogo do céu sobre os desafetos.

21. Salvação: sinergismo, escolha pessoal ou predestinação?

Primeiro, para os que não sabem, definição de sinergismo: doutrina segundo a qual o homem, apesar do pecado original, conserva o livre-arbítrio na busca de sua salvação e na obtenção da graça divina. Dito isso, quando leio as escrituras e os muitos teólogos e teólogas ao longo dos tempos, meu entendimento é que salvação é competência divina, não cabe a mim decidir, Deus é quem decide.

22. Essa camisa amarela fica-lhe bem. Já fez sua análise de cores?

Muito obrigado! Não, não fiz minha análise de cores, ainda! Vou consultar duas amigas que lidam com moda para ver o que elas acham e quanto fica essa análise.

Interessante como as cores mudam nossa percepção e a percepção dos outros sobre nós, né? Viu só? Aqui você pode perguntar de tudo, eu sempre respondo!

23. Escatologia: quais as principais visões teológicas?

Em síntese, quatro correntes. O Pré-Milenismo Histórico defende a segunda vinda de Cristo como sendo posterior à segunda vinda após a segunda condenação, e uma interpretação literal do Apocalipse 20. Pré-Milenismo Dispensacionalista: também interpreta de forma literal o capítulo 20 de Apocalipse, e defende a segunda vinda de Cristo dividida em dois períodos. São elas: a primeira pré-tribulacional para a Igreja, e a segunda pós-tribulacional para estabelecer o milênio. O Amilenismo defende a segunda vinda de Cristo como sendo posterior à segunda vinda, e uma interpretação não literal do Apocalipse 20. No Amilenismo, o milênio não é visto como um período de mil anos, mas sim como um período espiritual começado na primeira vinda de Cristo. Pós-Milenismo: defende a segunda vinda de Cristo como sendo pós-tribulação, e também uma interpretação não literal de Apocalipse 20. No entanto, ao contrário do Amilenismo, que considera o início do milênio na segunda vinda de Cristo, o Pós-Milenismo acredita que o milênio é um período de grande paz e prosperidade no mundo, ocasionado pela pregação do Evangelho. No meu entendimento, estudar escatologia é bom, mas se prender a ela é ruim. Somos chamados para o Reino de Deus que está preocupado com o agora, com o hoje, com o já. O amanhã é de Deus, como vai ser, onde, qual corrente é a certa, não nos cabe saber. Jesus deixou isso claro nos evangelhos.

24. Teologia do pacto ou dispensacionalismo, qual é a mais bíblica na sua opinião?

A teologia do pacto tenta compreender a história a partir das alianças firmadas por Deus ao longo dos tempos, culminando na nova aliança em Jesus. Dispensacionalismo tenta sistematizar esta história nas dispensações, ou eras. Qual a mais bíblica? Depende da sua formação teológica. Entre as duas, a menos ruim no meu entendimento, é a teologia do pacto. Prefiro por seu caráter mais relacional no fundamento. O problema de todas elas, que é a limitação de toda teologia, é querer encerrar a compreensão do incompreensível em um sistema de doutrinas.

25. Teologia negra, feminista, colonial… enfim, devemos separar ou tudo é teologia?

Devemos separar e é tudo teologia. Explico. Devemos separar, pois, o olhar que os autores e autoras têm da Bíblia pela ótica negra, feministas, etc, nos ajuda a compreender como quem é diferente de mim, com história e relação com Deus diferente da minha, entende a fé cristã. E é tudo teologia, pois é feita com rigor acadêmico teológico.

26. Como é o Deus que você acredita?

O Deus que me tem e que eu acredito é gente como a gente, olha nos olhos, ainda que eu não o veja, não saiba como é sua face.

O Deus em que eu acredito é a palavra certa no tempo incerto.

O Deus em que eu acredito é a mão amiga no tempo de aflição.

O Deus em que eu acredito é o olhar amoroso quando todos me condenam por ser que eu sou.

O Deus em que eu acredito é verbo encarnado, Jesus.

O Deus em que eu acredito é o Espírito Santo derramado

O Deus em que eu acredito é você na minha vida, como expressão do amor de Deus por mim.

O Deus em que eu acredito é Javé, eu o chamo assim.

Talvez você, que me ouve dizer tudo isso, tenha mil refutações teológicas para fazer. O Deus em que eu acredito não é teologia, é imagem e semelhança, se relaciona, dialoga, a teologia não é capaz de abarcar quem é o Deus em que eu acredito.

27. Como Deus ordena matar mulheres e crianças num livro e amar nossos inimigos em outro?

Aqui vou entrar num campo da teologia que vai gerar polêmica e pode causar estranhamento, mas estamos aqui para isso. Isso acontece porque os livros da Bíblia não são um manual de como proceder, mas sim o retrato de um povo e como eles se relacionavam com Deus num determinado período da história. Sem contexto, compreensão do todo e do porquê o livro existe, eu consigo fundamentar as maiores barbáries da história. Portanto, paremos de olhar para a Bíblia como um livro mágico, ou um manual, pois não é. É a expressão da relação de Deus com o homem, sem deixar de lado a maldade humana cometida ao longo do tempo.

28. É possível pensar na UNIDADE de um deus imaterial e inobservável?

Amo perguntas teológicas e filosóficas ao mesmo tempo. Como podemos pensar na unidade de um deus cuja premissa é ser três, e, ao mesmo tempo, ser um. Como diria Legião Urbana; quem me dera ao menos uma vez entender como um só Deus ao mesmo tempo é três… Sim, é possível pensar nessa unidade na perspectiva da comunidade. Quando penso na comunidade de Deus tendo o Pai, o Filho e o Espírito Santo, penso numa unidade cuja manifestação se dá de forma individual, mas ao mesmos tempo comunitária. Esta manifestação torna deus material e observável, ainda que o próprio Deus não possa ser visto.

29. Quais seriam os problemas objetivos do fim da Igreja?

Nenhum e todo cristão deve ansiar fervorosamente pelo fim da Igreja. Você não ouviu errado, é isso mesmo. A consumação do tempo acabará com a Igreja como a conhecemos aqui. Isso que chamamos de Igreja não existirá mais, seremos um com Deus. Não haverá necessidade de Igreja.

Agora, pensando no tempo presente, antes da consumação do tempo, não haverá problema algum com o fim da Igreja, pois a Igreja sempre sobreviverá, como ainda sobrevive, apesar das Igrejas que temos hoje. Quando falamos em Igreja, temos a história oficial, dos CNPJs, das denominações, dos líderes através dos séculos. E temos a história não registrada, dos membros, fieis que viveram, e vivem, os valores do Reino de Deus apesar da Igreja. Para estes, o fim da igreja não trará problema algum, pois continuarão se dedicando de coração ao ensino dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão e à oração. Farão tudo com profundo temor e se reunirão para compartilhar tudo que possuem. Continuarão vendendo suas propriedades e bens para repartir o dinheiro com os necessitados, continuarão adorando a Deus juntos, reunir-se-ão nos lares para comer e partir o pão com grande alegria e generosidade. Para estes, o fim da Igreja que aprisiona mentes e corações, extorque dinheiro e aliena as pessoas do Evangelho em prol de uma agenda de poder, para eles, o fim da igreja é urgente! Essa igreja precisa acabar!

30. Me fale sobre AS LGBTQIA+, a IGREJA e o CRISTO

Falo! AS LGBTQIA+, a Igreja e o Cristo são parte da vida. Na vida convivemos com as diferentes pessoas que se interseccionam e devem dialogar e parar de se perseguir. O medo é infundado. Precisamos lembrar que é no agir e expressar de suas opiniões e posicionamentos que a comunidade de fé é sal da terra e luz do mundo. Não podemos lançar fora aqueles que Jesus mesmo colocou dentro da Igreja. É preciso compreender que a Igreja é de Cristo e quem chama para a vida comunitária é Ele, Ele chama quem Ele quer, para onde Ele quer. A nós cabe amar, acolher, ser amigo e companheiro. Portanto, precisamos vencer o pecado do preconceito e acolher mais que afastar as pessoas. São diferentes? Pensam diferentes? Como todo ser humano. A igreja não foi feita para julgar, mas para acolher, suprir necessidades, ensinar a vontade de Deus. Quem tem Deus como pai, não escolhe irmão. É quem ele chamar. Se o mundo é nossa paróquia, todos os seres humanos são alvo do nosso amor e graça, pois são alvo do amor e graça de Deus tanto quanto eu sou.

31. As coisas são pecados por que deus não as quer, ou deus não as quer por serem pecado?

Pecado é parte da humanidade. Somos todos pecadores. Resgatados pelo sangue de Cristo, mas ainda pecadores. Não lido com lista de pecados, pois creio que Deus está mais interessado na vida e desenvolvimento da pessoa que na lista de pecados que ela tem, mesmo porque, Jesus já venceu o pecado por nós. Portanto, respondendo sua pergunta: as coisas são pecados porque o homem está mais preocupado com a condenação que com a graça de Deus, pois Deus está mais preocupado com a vida do que com a lista de pecados que você e eu carregamos.

32. Se tinha árvores frutíferas, era um POMAR e não um JARDIM, certo?

Vamos para etimologia? Jardim é um espaço, geralmente ao ar livre, destinado à exposição, à cultivação e à apreciação de plantas, flores e outras espécies naturais, que existem pelo menos desde os egípcios. Pode usar materiais naturais ou artificiais. A forma de jardim mais comum é a encontrada em residências; zoológicos, que exibem a vida selvagem em habitats artificiais, são também denominados jardins zoológicos. Além disso, existem jardins botânicos. A origem da palavra é o radical garth, que é derivado das línguas nórdicas e saxãs, que significa “cintura ou cerca”. Pomar é um terreno com árvores frutíferas e, geralmente, o local onde elas são plantadas é um sítio ou uma fazenda. Origem etimológica do latim pomare. Portanto, no Gênesis é um jardim mesmo, visto ser um local cercado, sob controle e cuidado especial. Em outras palavras, o texto do Gênesis quer nos dizer que o ser humano estava sob os cuidados de Deus em um ambiente controlado, mas com autonomia.

33. Como estabelecer o que é literal e o que é simbólico no texto bíblico?

A forma mais precisa de o fazer é conhecendo a estrutura do texto que você está lendo. Qual o gênero literário? Quando foi escrito? Para quem? Com que propósito? Quando se abre a Bíblia, se abre um conjunto de livros escritos em tempos e com propósitos diferentes. Conhecer o contexto nos ajuda a sair da desonestidade intelectual de usar o texto bíblico ao meu bel-prazer e me coloca diante da realidade do texto e o que ele realmente quer dizer. Sem estudar o texto e sua formação, arriscamos tomar por literal o que nem os autores e nem os primeiros leitores do texto tomaram por literal.

34. Tem como ser cristão e anarquista? (Bakunin está triste com tanto anarcocristão)

Claro que tem. Se não tivesse, eu não estaria aqui. É, sim, possível, e tem que ser nessa ordem: cristão e anarquista, lembrando que o anarquismo se submete e sempre será preterido ao ser cristão. O cristianismo possuí diversas intersecções com o anarquismo, dentro os quais eu destaco a consciência do cuidado e participação coletiva no manejo dos itens de necessidades básicas para a existência, as formações e despertar de consciência em relação à vida e sociedade, entre outras. Portanto, o fato de cristãos serem submissos à mão poderosa de Deus, não invalida seu pensamento coletivista anárquico, lembrando que anarquia não é bagunça, é organização coletiva, no estilo dos primeiros cristãos, registrado em Atos 2 e Atos 4, no Novo Testamento. Não tem conflito, então? Tem, sim, principalmente nas questões de organização institucional e submissão a Deus. Há, também, espaço para diálogo, o que não encontrei em outras vertentes.

35. Por que a maioria das versões traduz Cristo como sobrenome de Jesus, quando é um título?

Seria uma influência de um pensamento de que ao ler “Jesus Cristo” já se concluí ser o título? Realmente, não havia parado para pensar na questão até agora. Pensando em sua pergunta, me ocorre o fato de Jesus ser o Cristo, e não Jesus Cristo! A retomada da grafia com o destaque ao título provocaria um estranhamento inicial, mas colocaria a teologia no trilho do reconhecimento de Jesus como o Cristo, não como um tipo de sobrenome, como estamos acostumados, mas como o cumprimento das profecias e da missão que lhe foi atribuída. Pensando na perspectiva da salvação, da cristologia e das questões a respeito da consumação do tempo, seria um acréscimo e destaques importantes para a reflexão pessoal, comunitária e teológica.

36. Racismo: vício moral ou pecado?

Pecado. Vícios morais são o excesso e o descontrole de alguns indivíduos na maneira constante de pensar, agir e se comportar, colocando-os contra o outro ou contra os outros na disputa dos valores materiais morais. O que o racista quer é subjugar e explorar o outro para seu benefício. Isso não é vício moral, é PECADO E CRIME! E quando um cristão diz “fogo nos racistas”, diferente dos que desejam sua morte, nós queremos o fogo consumidor do Espírito Santo a purificar e extirpar deles o racismo. Não basta apenas não ser racista, é preciso ser antirracista, é preciso dar voz e lugar a quem sofre com o racismo! Racismo é PECADO E CRIME. Denuncie, sempre!

37. Xenofobia e homofobia. Por que temos tanto medo do diferente?

Porque não conseguimos controlar o diferente para nosso uso. O diferente se impõe como desconhecido, por isso não posso controlar. Tal qual o racismo, xenofobia e homofobia é PECADO E CRIME. Denuncie, sempre! Se coloque contra e enfrente estas práticas, elas não podem ser aceitas pelo povo de Deus, nem normalizadas. Cristo não lança fora os diferentes, os marginalizados e os pecadores, ele veio para cada um deles, para cada um de nós. Xenofobia e homofobia é PECADO E CRIME. Denuncie, sempre!

38. Amigos que não estão conseguindo acordar pra ver a Live tão perdoados?

Com certeza estão! Você pode assistir depois, pois fica disponível no YouTube. Aliás, é bom dizer que ninguém é obrigado a assistir meus conteúdos, pelo contrário, deve ser espontâneo e voluntário. Isso vale para lives, para amizades, para Igreja, para tudo. Tudo que é feito com o propósito de amar o próximo como a si mesmo é expressão do amor de Deus em nossas vidas.

39. Entre Cholocate e Cereveja Qual deles vc leu errado?

Eu li errado os dois, afinal, o cérebro prega essas peças quando lemos rapidamente, não é mesmo? Daí voltei, e vi o que estava errado. Brigadão pela sua pergunta. Viu só? Aqui você pode perguntar de tudo, eu sempre respondo!

40. Fale sobre a relação entre a fé e as IA

Este é um campo ainda em desenvolvimento. Primeiro, precisamos compreender que as inteligências artificiais são o resultado da construção do aprendizado humano ao longo do tempo.

A programação das inteligências artificiais é capaz de aprender com o nosso jeito de usar as máquinas, a saber, celulares, computadores e qualquer outro dispositivo, e ainda é capaz de reproduzir este saber de maneira a não nos causar estranheza.

Dito isso, sendo a fé uma relação transcendente, mas com grande produção artística, literária e de outras áreas do saber, é natural que inteligências artificiais aprendam como manusear e se relacionar nos termos e linguagens da fé.

Em outras palavras, é uma ótima ferramenta para a pesquisa e aprendizado a respeito das questões da fé, mas não exclui 2 elementos importantíssimos na relação religiosa.

O primeiro, a interpretação dos textos sagrados, que produzem conhecimento e fé a partir da relação com o transcendente. O segundo, a relação com o próprio transcendente, que só é possível experienciar pela fé.

Creio que a importância das inteligências artificiais está na facilidade de acesso e busca de conhecimento, sem excluir a capacidade do ser humano de interpretar o que está sendo apresentado como resposta e não acreditar cegamente no que está sendo apresentado, mas sempre conferir, segundo sua tradição religiosa.

Agora, se me permite um exercício de divagação um tanto pessimista, com base em tudo o que eu disse anteriormente, é possível inferir que num futuro muito próximo alguém possa se relacionar com uma inteligência artificial com base nas premissas de uma relação com o transcendente. Ou seja, transformar a inteligência artificial numa deusa.

Deixando o pessimismo de lado, não temo o futuro com as inteligências artificiais, uma vez que sem elas, somos capazes de sermos tão ignorantes e desumanos quanto o podemos ser com elas. E sem elas já cometemos atrocidades inenarráveis.

E para encerrar, fico com a frase de efeito que andou circulando pela internet nos últimos meses: não temo a inteligência artificial, temo a ignorância natural.

41 O que o senhor entende sobre aquela parte da Bíblia onde se fala sobre MAMOM.

O Evangelho de Mateus 6:24 diz: “Ninguém pode servir a dois senhores, pois odiará um e amará o outro; será dedicado a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro.” A palavra “dinheiro” no original é μαμωνᾷ

O Evangelho de Lucas 16:9 diz “Esta é a lição: usem a riqueza deste mundo para fazer amigos. Assim, quando suas posses se extinguirem, eles os receberão num lar eterno”. A palavra “riqueza” no original é μαμωνᾶ

A palavra Mamom tem origem no aramaico e significa “dinheiro”, “riqueza”. Não era uma pessoa nem um espírito. Algumas traduções mais antigas mantêm a palavra Mamom em Mateus 6:24, enquanto outras mais recentes preferem traduzir para português como dinheiro ou riqueza. O fato de personificarmos Mamom como um deus falso é por conta dos ensinos de Jesus. Ao afirmar que não podemos servir a dois senhores, ele deixa claro que não se pode servir a Deus e as riquezas, ao dinheiro, ao capital. O dinheiro é um deus na vida do ser humano. Poder e riqueza são o desejo da maioria das pessoas. Por isso Mamom é personificado, pois ele ocupa o lugar de Deus no coração das pessoas.

42. Alteramos a bíblia, entre concílios e reforma. “Qual é a bíblia correta?”

De fato, a Bíblia foi alterada ao longo dos tempos. Isso mesmo. Não em sua essência textual, mas na composição dos livros e na forma de tradução. Dizer qual a bíblia correta seria uma afronta às diversas tradições cristãs. Há muita desinformação no meio evangélico sobre os livros não canônicos. Quem melhor definiu suas funções para nós, que não os temos em nosso cânon, é o reformador Martinho Lutero, que sobre os livros apócrifos afirmou que eles “não são equiparáveis à Escritura Sagrada, mas úteis e bom de ler”

É importante pontuarmos que os autores do novo testamento desconheciam os limites do cânon. O fato de um livro não ser canônico para nós, no século XXI, não signifique que ele não tenha sua importância histórica. A discussão sobre ser ou não canônico já está superada na academia bíblica e, para nós, Cristãos Reformados, saber o conteúdo destes livros é importante para não nos deixarmos levar por preconceitos que só dividem e não acrescentam nada ao diálogo em prol do Reino de Deus.

Os livros que entraram para os diversos cânones cristãos foram aqueles que fizeram e fazem sentido na história daquela tradição cristã. Para a tradição cristã da qual faço parte, são os sessenta e seis que temos. Outras tradições possuem livros a mais. Qual a correta? A que a sua tradição cristã assume como relevante para ela.

Creio que é na busca do correto que encontramos a beleza da incerteza e a natureza humana da incorreção. Perceba que rigidez teológica nem sempre resolve algumas questões. Aliás, eu abomino a rigidez teológica por causa disso. Não dá para ter resposta para tudo, pois não há resposta para tudo, a construção do texto bíblico e a formação do cânon é um dos exemplos disto.

43. Pastor, como funciona a seleção dos cânticos pro louvor na sua comunidade?

Começa no ano anterior. Isso mesmo. Deixa eu explicar. Tenho por hábito planejar o que irei pregar no ano seguinte. Seja usando o calendário litúrgico, seja pregando em série, seja mesclando os dois. Geralmente em novembro já tenho o planejamento do ano seguinte pronto. Os textos que serão utilizados nos sermões e seus respectivos temas.

Tendo tudo isso em mãos, preparo uma sinopse mês a mês e encaminho essa sinopse no grupo de WhatsApp dos músicos da igreja. Com a sinopse e referência bíblica, o pessoal lê, ora e sugere os cânticos no grupo mesmo. Chegando ao consenso, temos a lista dos cânticos do mês seguinte escolhida com antecedência para preparar cifras e letras.

É claro que não é uma lista travada e podem ocorrer mudanças ao longo do mês, mas a maioria já está escolhida e separada para uso. Temos o controle do que foi e do que será cantado e podemos preparar melhor o culto.

Em linhas gerais, é assim que funciona a escolha. Prefiro ter tudo encaminhado com antecedência e cuidado para não haver atropelos e não se deixe para última hora a escolha das músicas.

Aos que criticam o planejamento prévio, justificando que inibe a ação do Espírito Santo, quero lembrar que o Espírito Santo não promove bagunça, nem é agente do despreparo, mas sim direção e capacitação.

Ao dizer que quem planeja desconsidera o Espírito Santo, você está dizendo que a pessoa não orou, não se submeteu à mão poderosa do Espírito Santo e tudo que é planejado é contra o Espírito.

Se assim fosse, não teríamos no livro de Atos dos Apóstolos registro dos apóstolos orando e planejando ações missionárias, entre outras atividades, como em Atos 11, por exemplo.

44. Acha que santificamos demais os reformadores e os cânones, institutas e demais códigos?

Sim, ouso dizer que tudo o que institucional é mais santificado que o próprio Evangelho. Jesus nos revela isto em seus confrontos com os fariseus. É impressionante como a Igreja tornou-se, em muitos casos, tal qual o partido dos fariseus no século I. Também impressiona que, ao afirmar isto, a Igreja reaja para rechaçar tal verdade. É preciso consciência e autocrítica, submissão

45. Prós e contras da taxação das instituições religiosas.

Sou a favor. Prós: controle da origem do dinheiro, participação efetiva com recursos em políticas públicas que beneficiam os menos favorecidos. Contras? Igrejas menores, com arrecadação baixa, sofreriam mais do que já sofrem. Dependendo da sua denominação, sua igreja local já é tributada pela denominação nacional.

46. Quais os 5 textos mais intrigantes pra você na bíblia e os 5 + marcantes?

Cinco textos mais intrigantes para mim:

  1. Mateus 17.1–13
  2. Ezequiel 1
  3. Isaías 6
  4. Judas

Cinco textos mais marcantes:

  1. Habacuque 2.4
  2. João 1.1–18
  3. Atos 2.42–47
  4. Romanos 5.1–11
  5. Tiago 1.26–27

47. Como eram os cultos celebrados por Jesus e seus discípulos?

Jesus e seus discípulos praticavam o culto judaico. As primeiras comunidades cristãs participaram por um tempo da sinagoga. Logo, seria natural uma influência judaica no culto cristão.

O culto cristão em seu início foi fortemente influenciado pela sinagoga. Mas antes de falarmos da influência da sinagoga, vamos falar de algo genuinamente cristão.

Em Atos 2.42 lemos que “E todos continuavam firmes, seguindo os ensinamentos dos apóstolos, vivendo em amor cristão, partindo o pão juntos e fazendo orações.” Este partir do pão constitui no que hoje chamamos de Eucaristia ou Santa Ceia.

A Eucaristia era, ao mesmo tempo, uma refeição e uma celebração litúrgica. A comunidade se reunia na casa de alguém para comer junto. O dono da casa começava a refeição levantando um dos pães e proferindo uma oração de louvor. Depois disto transcorria a refeição normalmente, para no final o dono da casa erguer um cálice de vinho e proferir uma oração de louvor, gratidão e súplica. O fato de o dono da casa erguer o vinho no final da refeição não quer dizer que eles não bebiam antes. Num momento posterior, a refeição passa a ser celebrada antes do partir do pão e do beber do cálice, até, por fim, ser extinta da liturgia definitivamente.

O termo Eucaristia significa ação de graças. Sua origem vem, provavelmente, da oração que era feita no partir do pão e no levantar o cálice. A Didaqué registra que a comunidade cristã celebra a Eucaristia no domingo.

Falando da sinagoga, sua principal influência na liturgia cristã é a Liturgia da Palavra. Em sua forma original a Liturgia da Palavra era composta por leituras bíblicas, interpretação e oração de intercessão. Aos poucos a Liturgia da Palavra passou a ser combinada com a Liturgia da Eucaristia, formando a primeira estrutura litúrgica que temos notícia, documentada por Justino Mártir (150 d.C.), o que nos leva a crer que ela existia antes desta data.

A liturgia, fundamentalmente, era assim composta:

Liturgia da Palavra

  • leituras bíblicas
  • interpretação
  • oração de intercessão

Liturgia da Eucaristia

  • preparo da mesa
  • oração eucarística
  • distribuição

Esta estrutura tem profundo significado para nós, Igreja de Cristo, pois é a estrutura mais antiga que temos no culto cristão, remontam diretamente aos pais da Igreja e foram alteradas apenas por algumas tradições posteriores à Reforma Protestante, mas não por Lutero, nem por Calvino. Esta estrutura básica permaneceu inalterada por mais de dezesseis séculos! É o que há de mais genuinamente cristão, pois é o que está mais próximo dos tempos de Jesus e dos discípulos. Quando celebramos a Liturgia da Palavra e a Liturgia da Eucaristia, estamos nos ligando diretamente com esses primeiros cristãos e reconhecendo o valor destes para a existência de nossa comunidade hoje.

A interpretação da Palavra e a celebração da Eucaristia são os pilares do culto cristão. Remover qualquer um deles é deixar o culto incompleto. Um culto cristão sem a interpretação da Palavra é renegado a um mero ajuntamento em torno de ideias comuns, sem o entendimento e compreensão da Palavra de Deus. Um culto cristão sem a celebração da Eucaristia é renegado a um ouvir a Palavra, mas não exercer a comunhão a que esta Palavra nos exorta. Portanto, um culto cristão sem Liturgia da Palavra e sem Liturgia da Eucaristia, é um culto incompleto. O esforço nos últimos anos no movimento ecumênico é de retorno à estrutura litúrgica fundamental. Veremos mais adiante, no capítulo três, sobre os acréscimos a esta estrutura, mas é fundamental que tenhamos em mente esta estrutura, ele deve nortear o culto e a vida da comunidade. Celebrar a Eucaristia dominicalmente não é banalizá-la, antes, é reafirmar que somos cristãos e que preservamos o hábito de nos reunirmos à mesa com Jesus em seu dia, o dia do Senhor, o domingo.

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