O que vai restar

Giovanni Alecrim
5 min readJun 16, 2020

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Uma forma de sobreviver à quarentena e construir o amanhã

Que as nossas vidas mudaram e continuarão a passar por processos de mudanças drásticas, disso já sabemos e já lemos muitos artigos, ouvimos muitos ‘podcasts’ e assistimos muitas lives a respeito. Os cenários que nos apresentam, dia-a-dia, se configuram em uma mudança na forma da relação entre as pessoas e, como toda mudança de tal envergadura, teremos custos altíssimos com elas, e não me refiro a custos financeiros, mas de vida.

O isolamento social tem mudado nossa maneira de interagir, obter informação, confiar ou não nos Governos e lidar com as questões internas da casa. Aqueles que têm condições de ficar em casa, têm uma perspectiva completamente diferente da imensa massa que precisa sair para trabalhar, quer em empregos formais, quer em empregos informais. Camelôs, vendedores ambulantes, aquela imensa maioria da população distante dos direitos e que é amparada por um auxílio do governo federal que não dá para pagar o sustento da casa. É esse povo que se submete ao risco de contaminação e, com ele, o risco de não ter vaga na UTI, caso a doença evolua.

Quando contemplo um cenário como esse, a única saída que vejo é a reestruturação das relações sociais. Não dá mais para uma minoria privilegiada ter o acesso às condições de isolamento e proteção, e a imensa maioria ser submetida a uma verdadeira loteria da vida. Precisamos ressignificar nossa maneira de ver a sociedade e não é na dicotomia ‘esquerda x direita’ que vamos encontrar a solução. É preciso humanizar a sociedade, em detrimento do lucro. Este esforço, no entanto, não será alcançado pela via estatal. Qual o caminho? É preciso ter humildade de olhar ao redor e reconhecer o que os movimentos comunitários têm feito em questão de autogestão de suas comunidades. Esquecidos há tempos pelo poder público, são esses movimentos que têm garantido o apoio necessário em tempos de mudanças sociais profundas, como a que vivemos. E eles fazem isso não é de hoje.

As comunidades de fé precisam olhar para a realidade ao redor e parar de pensar nelas mesmas. Enquanto um grupo de pessoas pensa só em reabrir seus templos, poucos pensam em como ajudar para que a pandemia cause menos estragos ao redor. A falta de empatia e amor pelas pessoas ao redor é o sintoma maior de uma fé que se tornou egoísta e a antítese do próprio Cristo. É pensando nesse cenário que nossas comunidades precisam se atentar e apresento aqui algumas sugestões.

1. Judeia, Samaria e confins da terra

O texto de Atos 1.8, consagrado pelas agências missionárias e adeptos da teologia da missão, aponta para a necessidade de ser testemunha de Cristo em todas as regiões do planeta. É hora de parar de ser testemunha no âmbito das redes sociais e dos locais distantes, e começar a ser testemunha na sua Judeia, ao seu redor, onde você está. Para isso, você não precisa cortar o apoio missionário que dá aos missionários que estão nos confins da terra, mas sim responder duas simples perguntas:

  1. O que minha igreja pode fazer para ajudar a minimizar o impacto da pandemia?
  2. Qual o impacto na região se a minha igreja voltar a abrir suas portas?

Respondendo a essas perguntas, você já terá como avaliar se sua igreja está fechada nela mesma ou testemunhado localmente sua fé.

2. Compartilhavam tudo o que tinham

O texto de Atos 4.32 aponta para a necessidade do compartilhar o que se tem. O modo de vida dos apóstolos é exemplo para nós. Precisamos aprender a partilhar o que temos com os que não têm. A cultura em que estamos inseridos é de consumo e posse. Precisamos romper com essa corrente que aprisiona o ser humano ao dinheiro e não permite que a generosidade seja constante, não apenas pontual. Deus queira que a Igreja experimente um avivamento tão grande que passe a viver como a comunidade de Atos 4. Para que isso aconteça, precisamos responder duas perguntas simples:

  1. A minha igreja investe seus recursos em vidas?
  2. O que tenho para compartilhar?

Respondendo a essas perguntas, você já terá como avaliar se sua igreja e você estão vivendo o ensino apostólico ou não.

3. A mensagem de Deus continuou a se espalhar

O texto de Atos 6 fala da instituição de um grupo de pessoas para cuidar dos necessitados. O resultado do ato institucional da Igreja de eleger diáconos não foi o aumento da arrecadação da igreja, nem o aumento do poder social da mesma. A consequência foi que o número de discípulos se multiplicava em Jerusalém. Discípulos, não adeptos, que fique claro. É comum encontrar igrejas que desejam ver seus templos cheios. Quem não ia querer? Mas é incomum encontrar igrejas dispostas a capacitar pessoas a viver de modo a servir e não negligenciar o atendimento ao necessitado. Para que isso aconteça, precisamos responder a duas simples perguntas:

  1. Qual a preocupação da minha Igreja?
  2. Como posso servir para que não sejamos negligentes?

Respondendo a essas perguntas, você terá condições de encontrar um caminho para que a generosidade e a partilha sejam os combustíveis do espalhar da mensagem de Deus.

4. O fim da Igreja

Para terminar, a igreja tem que acabar. É isso mesmo. Parece contraditório um pastor escrever que a igreja precisa acabar, mas é o que precisa acontecer. Explico isso biblicamente. Atos 11.19–30 registra como a Igreja acabou para recomeçar sob novos patamares. É em Antioquia que os discípulos são chamados pela primeira vez de cristãos. Esta mudança é imperceptível no momento, mas sua consequência é estarmos aqui, no Brasil, no século XXI, falando de Cristo. O que mudou? A Igreja saiu de Jerusalém e ganhou novo fôlego em sua ação junto aos não judeus. A igreja saiu de si mesma, ela pôs um ponto final de sua dependência do local de Jerusalém e passou a viver para fora. Em Atos 13.1 vemos um colegiado diverso, vido de todas as partes, formando o grupo de profetas e mestres de uma Igreja que nascia na diversidade. Para que isso aconteça, precisamos responder a duas simples perguntas:

  1. A sua igreja está disposta a morrer?
  2. Você está disposto a viver a diversidade do Reino em sua Igreja?

Respondendo a essas perguntas, você terá condições de dizer se é ou não cristão.

O que escrevi até aqui são caminhos para que a Igreja possa refletir em suas ações e em como ela tem agido em meio à pandemia! Não voltaremos dela os mesmos, espero que a (a)normalidade que vivíamos no passado recente seja esquecida e extinta e que a Igreja tenha a coragem de morrer e renascer nos moldes de Atos dos Apóstolos. O que vai restar é vida, e de vida o Reino de Deus entende muito bem, melhor que qualquer instituição.

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Giovanni Alecrim
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Written by Giovanni Alecrim

Vida com Jesus, espiritualidade saudável, Bíblia, culto e teologia. https://bento.me/alecrim

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