O anti-herói

Giovanni Alecrim
4 min readJul 1, 2019

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Você não precisa ser herói de nada, nem o melhor em tudo.

Não sei se você já notou, mas estamos imersos na sociedade da imagem. Talvez a expressão que melhor defina nossa geração é um neologismo: Instagramização. O ato de tornar tudo bom, bonito e agradável para os demais. Não importa muito se o prato está bom, importa que a foto está maravilhosa. Não importa com quem você está, mas sim se na foto vai ficar legal. Mas este conceito não é novo, você deve se lembrar de um comercial de Televisão de 1996, portanto, 23 anos atrás, de uma marca de refrigerantes que apresentava um copo com gelo e um líquido, parecendo refrigerante, sendo colocado em câmera lenta nele, despertando o desejo de quem assistia em beber o que tinha no copo. Enquanto o líquido era servido, palavras como delicioso e refrescante eram ditas e finalizava com Beba o que você achar gostoso, porque a televisão pode fazer qualquer coisa parecer uma delícia. Quando a câmera abria o quadro, aparecia uma garrafa escrito Óleo de fígado de Bacalhau. Então, cortava para os dizeres: “Imagem não é nada, sede é tudo”. Numa primeira leitura, esta frase contradiz a Instagramização, mas é justamente o contrário. Ao negar a imagem projetada na tela, ela reforça a imagem da marca do refrigerante. Você se lembra de qual refrigerante é essa propaganda? Isso mesmo, da Sprite. Percebeu como discurso contra a imagem serve para reforçar uma imagem?

As redes sociais são fantásticas, eu realmente gosto demais delas. Acontece que seu uso nem sempre é saudável. Tendemos a reproduzir no ambiente virtual aspectos da realidade que nem sempre condiz com a verdade. Exemplifico. Você pode colocar na rede social uma linda foto sua, com um céu azul fantástico de fundo, mas que foi tirada quando você estava sobre um monte de lixo. O lixo não aparece na foto, só você e o céu azul. O que aparece numa tela nem sempre é o retrato exato da realidade. Isso se dá pois reproduzimos o padrão das mídias tradicionais em nossas publicações: mostramos o que queremos que os outros vejam de nós mesmos, não o que somos na verdade. O pastor Presbiteriano André Botelho afirma que Parece que estamos convencidos de que é a imagem que produz a realidade, e não o contrário. Ou seja, o importante não é você ser uma pessoa íntegra, mas sim parecer íntegra. Percebem que este princípio não é novidade? Antes das redes sociais ele já existia, ou você nunca se deparou com alguém que em casa com os familiares é um terror e com os de fora de casa é um amor?

Por que, então, insistimos na construção de uma imagem tão bem construídas de nós mesmos? Porque a supervalorização do eu está em alta como sempre. Vejo isso numa situação bem simples. Quando publico, em meu perfil pessoal, uma imagem divulgando um evento da igreja, no Instagram, o número de curtidas não passa de 10. Quando publico uma selfie minha, e olha que nem sou do padrão Instagram, passa dos 40. Sabem por quê? Primeiro porque o algoritmo do programa privilegia as fotos com rostos para entregar para as pessoas verem. Segundo porque as pessoas curtem esperando que façamos o mesmo quando elas publicarem uma selfie. Toda essa construção social que falo até aqui nos mostra que a nossa imagem, atualmente, é muito parecida com a do super-herói dos quadrinhos. Tem um dia a dia pacato, sem graça e até desprezado, por vezes preterido e humilhado, mas quando se torna o super-herói, aí todo mundo quer ser igual a ele. No ano de 2019, na Igreja que pastoreio, a Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP uma vez por mês aos sábados, na Tarde das Crianças, foi abordado o tema do Herói. Apresentamos personagens bíblicos cujo superpoderes eles conseguiram porque se despiram do estigma de ser o melhor e se humilharam diante da mão poderosa de Deus.

Aqui eu preciso voltar os olhos para nós mesmos, cristãos, e nossas igrejas. Muitos cristãos estão sendo iludidos com o falso entendimento que Deus quer que tenhamos uma imagem cristã, e não uma transformação de fato. Daí, parecer cristão na Igreja e redes sociais é um personagem que interpretamos e deixamos de lado no dia a dia de nossas atividades. Não é que Deus está na igreja e por isso é lá que eu devo parecer cristão, é que as pessoas querem que eu pareça cristão na igreja, porque elas têm um conceito preestabelecido do que é ser cristão daquela porta para dentro. De igual forma eu me policio demais nas propagandas e divulgações da IPI Tucuruvi, pois não posso passar uma imagem daquilo que não acontece lá. O que anunciamos deve ser reflexo da realidade, e não do que eu ou alguém da Igreja gostaria que fosse realidade. Usando a imagem bíblica, a luz, que é Cristo, deve brilhar, não a Igreja, nem o pastor, nem qualquer outra pessoa.

Somos arrastados pela correnteza de uma sociedade firmada na imagem, no ter e no parecer. Você não precisa ser herói de nada, nem o melhor em tudo. Não seja herói, seja o anti-herói, saiba quem tem o verdadeiro poder: Jesus Cristo, a luz do mundo. Ele é o único que é capaz de nos fortalecer em meio a cultura do eu e nos guiar em meio a escuridão de nossos dias. Que bom que temos luz que não se apaga para encontrarmos os que estão perdidos na escuridão. Que bom que tenho ao meu lado amigos e amigas que somam sua pequena luz com a minha pequena luz para que haja verdade e restauração. Que bom que não somos egoístas e escondemos nossa luz embaixo de um cesto ou na gaveta de algum móvel. Que bom que eu não preciso ser o herói dos problemas da minha vida, pois eu não sou nada, mas Cristo é tudo.

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Giovanni Alecrim
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Written by Giovanni Alecrim

Vida com Jesus, espiritualidade saudável, Bíblia, culto e teologia. https://bento.me/alecrim

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