Mulher, por que você está chorando?

Giovanni Alecrim
5 min readApr 17, 2022

Um olhar interrogativo sobre a cena da ressurreição

Titian — The Yorck Project (2002) 10.000 Meisterwerke der Malerei (DVD-ROM), distributed by DIRECTMEDIA Publishing GmbH. ISBN: 3936122202.

¹No primeiro dia da semana, bem cedo, enquanto ainda estava escuro, Maria Madalena foi ao túmulo e viu que a pedra da entrada tinha sido removida. ²Correu e encontrou Simão Pedro e o outro discípulo, aquele a quem Jesus amava, e disse: “Tiraram do túmulo o corpo do Senhor, e não sabemos onde o colocaram!”.

³Pedro e o outro discípulo foram ao túmulo. ⁴Os dois corriam, mas o outro discípulo foi mais rápido que Pedro e chegou primeiro ao túmulo. ⁵Abaixou-se, olhou para dentro e viu ali as faixas de linho, mas não entrou. ⁶Então Simão Pedro chegou e entrou. Também viu ali as faixas de linho ⁷e notou que o pano que cobria a cabeça de Jesus estava dobrado e colocado à parte. ⁸O discípulo que havia chegado primeiro ao túmulo também entrou, viu e creu. ⁹Pois até então não haviam compreendido as Escrituras segundo as quais era necessário que Jesus ressuscitasse dos mortos. ¹⁰Os discípulos voltaram para casa.

¹¹Maria estava do lado de fora do túmulo. Chorando, abaixou-se, olhou para dentro ¹²e viu dois anjos vestidos de branco, sentados à cabeceira e aos pés do lugar onde tinha estado o corpo de Jesus. ¹³Os anjos lhe perguntaram: “Mulher, por que você está chorando?”.

Ela respondeu: “Porque levaram o meu Senhor, e não sei onde o colocaram”.

¹⁴Então, ao virar-se para sair, viu alguém em pé. Era Jesus, mas ela não o reconheceu. ¹⁵“Mulher, por que está chorando?”, perguntou ele. “A quem você procura?”

Pensando que fosse o jardineiro, ela disse: “Se o senhor o levou embora, diga-me onde o colocou, e eu irei buscá-lo”.

¹⁶“Maria!”, disse Jesus.

Ela se voltou para ele e exclamou: “Rabôni!” (que, em aramaico, quer dizer “Mestre!”).

¹⁷Jesus lhe disse: “Não se agarre a mim, pois ainda não subi ao Pai. Mas vá procurar meus irmãos e diga-lhes: ‘Eu vou subir para meu Pai e Pai de vocês, para meu Deus e Deus de vocês’”. ¹⁸Maria Madalena encontrou os discípulos e lhes disse: “Vi o Senhor!”. Então contou o que Jesus havia falado. João 20.1–18

O Evangelho de João é o mais recente dos quatro evangelhos. Diferente dos demais, Mateus, Marcos e Lucas, João parece ter uma preocupação mais teológica e, ao mesmo tempo, pastoral. Por ter sido escrito com maior distanciamento temporal dos fatos ocorridos, parece que os as histórias e os acontecimentos ruminaram mais na mente do apóstolo, que, associada às fontes escritas, relatos e testemunhos, nos presenteia com uma obra prima.

Não sei se você já teve a oportunidade de ler este evangelho inteiro, e, se o fez, se você se atentou para o fato que mais da metade do Evangelho narra os últimos dias de Jesus. Partindo da unção em Betânia, no capítulo 12 e finalizando após a sua ressurreição e os encontros com os discípulos. Nada é por acaso na estrutura de um livro. João tinha uma preocupação clara ao fazer esta escolha. Ele quer demonstrar aos leitores a importância do que viemos rememorando já há quinze dias. É assim que chegamos a hoje, Domingo da Páscoa na Ressurreição do Senhor.

Para hoje, o calendário litúrgico nos reserva o Evangelho de João, que acabamos de ler, e que nos coloca diante da cena da ressurreição de Jesus, no domingo de manhã, um domingo que começa com luto, passa para o desespero e choro, mas termina com a boa nova de grande alegria.

Faço, hoje, um destaque interrogativo da narrativa para nossa meditação. Quero olhar para este relato da ressurreição a partir da perspectiva de uma pergunta, feita à primeira pregadora do Evangelho, àquela que levou a boa nova pela primeira vez. Quero destacar a pergunta do anjo à Maria Madalena, repetida por Jesus: Mulher, por que você está chorando?

Mulher, por que você está chorando? O túmulo bem fechado, selado na sexta-feira, agora está aberto. Sem guarda, sem ninguém à porta. O que aconteceu? O túmulo aberto, o vazio de corpo, de presença, ainda que morta, daquele a quem tanto amas. Ele não está mais ali. Não há mais nada.

Mulher, por que você está chorando? Os discípulos, a quem chamaste, estão sem respostas, diante do imenso vazio do túmulo de Jesus. Creram, mas o que aconteceu? Se ressuscitou, onde está? Eles viram, eles creram, mas o que aconteceu? Qual é o teu temor? Crer não basta? Apenas crer, diante do túmulo vazio é ainda dolorido?

Mulher, por que você está chorando? Seu desespero é tamanho que se assenta à entrada do túmulo, violado, quiçá pelos religiosos inimigos de Jesus, para evitar alguma ação dos discípulos, quiçá dos próprios romanos, para conter qualquer tipo de culto à imagem de um mártir. Ali, sentada à porta do túmulo, num milagre, vês dois anjos, conversa com eles, mas ainda assim choras, desconsolada, a ausência de teu mestre. É preciso virar as costas para o túmulo, nada mais virá dali, nem mesmo o sobrenatural te consola.

Mulher, por que você está chorando? A quem você procura? Bastou um nome, seu nome, vocativo, um chamado para a realidade, um “presta atenção, minha filha”: Maria! O coração aquece, a alma desperta, os sentidos se aguçam, os olhos se abrem como se estivessem completamente fechados até então e, num rompante, a resposta vem, num vocativo, imperativo da alegria, chamado ao reconhecimento da vida: Raboni!

Hoje é Domingo da Páscoa na ressurreição do Senhor. Não é mais um Domingo de Páscoa. Não é um feriado. Nem tão pouco uma vaga memória. É uma realidade. Nesta manhã, diante das mazelas que vivemos, dos túmulos que nos cercam, dos vazios que se impõe ao nosso redor, das tramas religiosas que se armam contra nós, dos planos dos poderosos para perpetuar seus poderes imperiais, diante de tanta morte, Jesus está te perguntando: por que você está chorando? A quem você procura? Você pode justificar seu choro com seu desespero, seu vazio, sua condição de saúde, econômica, mental e espiritual. Você pode mostrar que estás rendido, jogado à porta do túmulo. Nada disso é empecilho, Jesus está te chamando pelo seu nome! Sinta o coração aquecer, a alma despertar, os sentidos se aguçarem, os olhos se abrirem.

Hoje é Domingo da Páscoa na ressurreição do Senhor. Não é mais um Domingo de Páscoa. Não é um feriado. Nem tão pouco uma vaga memória. É uma realidade. Nesta manhã, olhe para o exemplo de Maria Madalena, que diante da dor e do choro, ouviu a voz de Jesus e saiu a proclamar. Seu sermão, o primeiro sermão evangélico pregado no mundo, foi simples, curto e imperativo: Vi o Senhor! Ἑώρακα τὸν κύριον! O termo grego usado por João é οραω, que na raiz significa fitar, mas como ele está na primeira pessoa do singular do perfeito do indicativo ativa, ele vai além do fitar, é ver com os olhos; ver com a mente, perceber, conhecer; tornar-se conhecido pela experiência, experimentar. Nada é por acaso nos registros dos evangelhos, João usa este verbo e esta forma para mostrar que Maria conheceu Jesus ressuscitado, era ele mesmo, não era um fantasma, uma aparição, nem uma transfiguração.

Hoje é Domingo da Páscoa na ressurreição do Senhor. Não é mais um Domingo de Páscoa. Não é um feriado. Nem tão pouco uma vaga memória. É uma realidade. Nesta manhã, olhe para Jesus, reconheça o ressurreto e pare de ficar procurando nos túmulos aquele que está vivo! Jesus ressuscitou!

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