Meu Senhor e meu Deus!

Giovanni Alecrim
5 min readApr 24, 2022

Um olhar exclamativo sobre o dia da ressurreição

A Incredulidade de São Tomé, de Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio. 107 cm × 146 cm, c. 1601–1602. Sanssouci Picture Gallery, Potsdam, Alemanha.

¹⁹Ao entardecer daquele primeiro dia da semana, os discípulos estavam reunidos com as portas trancadas, por medo dos líderes judeus. De repente, Jesus surgiu no meio deles e disse: “Paz seja com vocês!”. ²⁰Enquanto falava, mostrou-lhes as feridas nas mãos e no lado. Eles se encheram de alegria quando viram o Senhor. ²¹Mais uma vez, ele disse: “Paz seja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu os envio”. ²²Então soprou sobre eles e disse: “Recebam o Espírito Santo. ²³Se vocês perdoarem os pecados de alguém, eles estarão perdoados. Se não perdoarem, eles não ­estarão perdoados”.

²⁴Um dos Doze, Tomé, apelidado de Gêmeo, não estava com os outros quando Jesus surgiu no meio deles. ²⁵Eles lhe disseram: “Vimos o Senhor!”.

Ele, porém, respondeu: “Não acreditarei se não vir as marcas dos pregos em suas mãos e não puser meus dedos nelas e minha mão na marca em seu lado”.

²⁶Oito dias depois, os discípulos estavam juntos novamente e, dessa vez, Tomé estava com eles. As portas estavam trancadas, mas, de repente, como antes, Jesus surgiu no meio deles. “Paz seja com vocês!”, disse ele. ²⁷Então, disse a Tomé: “Ponha seu dedo aqui, e veja minhas mãos. Ponha sua mão na marca em meu lado. Não seja incrédulo. Creia!”.

²⁸“Meu Senhor e meu Deus!”, disse Tomé.

²⁹Então Jesus lhe disse: “Você crê porque me viu. Felizes são aqueles que creem sem ver”.

³⁰Os discípulos viram Jesus fazer muitos outros sinais além dos que se encontram registrados neste livro. ³¹Estes, porém, estão registrados para que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo nele, tenham vida pelo poder do seu nome. [João 20.19–31]

O Evangelho de João é o mais recente dos quatro evangelhos. Diferente dos demais, Mateus, Marcos e Lucas, João parece ter uma preocupação mais teológica e, ao mesmo tempo, pastoral. Por ter sido escrito com maior distanciamento temporal dos fatos ocorridos, parece que os as histórias e os acontecimentos ruminaram mais na mente do apóstolo, que, associada às fontes escritas, relatos e testemunhos, nos presenteia com uma obra prima.

Não sei se você já teve a oportunidade de ler este evangelho inteiro, e, se o fez, se você se atentou para o fato que mais da metade do Evangelho narra os últimos dias de Jesus. Partindo da unção em Betânia, no capítulo 12 e finalizando após a sua ressurreição e os encontros com os discípulos. Nada é por acaso na estrutura de um livro. João tinha uma preocupação clara ao fazer esta escolha. Ele quer demonstrar aos leitores a importância do que viemos rememorando já há quinze dias. É assim que chegamos a hoje, Segundo Domingo da Páscoa.

Para hoje, o calendário litúrgico nos reserva o Evangelho de João, que acabamos de ler, e que nos coloca diante da cena do entardecer do domingo da ressurreição, em uma casa, trancada, onde os discípulos se reuniam, ou podemos dizer que se escondiam? Nas duas mensagens do Domingo de Páscoa fiz um destaque interrogativo das narrativas joanina e lucana. Hoje quero propor um destaque exclamativo, de quem se encontrou com o Ressurreto e creu! A exclamação que nos guiará nesta mensagem é a de Tomé: Meu Senhor e meu Deus!

Meu Senhor e meu Deus! As mulheres testemunharam da sua ressurreição, mas eu não cri. Os meus irmãos disseram que te viram, eu não cri. Como pude ser tão cego? Meus olhos não quiseram crer, meu coração não ardeu, minha alma não se acendeu. Como pude não crer?

Meu Senhor e meu Deus! Somente tu tens o poder de perdoar os pecados, e agora nos envia a proclamar o perdão a todos os perdidos. Como é difícil para nós, influenciados pelas doutrinas dos séculos XIX, XX e XXI, compreendermos tais palavras. Quem nos ajuda é Werner de Boor:

“Se vocês perdoarem os pecados de alguém, eles estarão perdoados.” É verdade que a expressão “perdão dos pecados” somente ocorre aqui no evangelho de João. Contudo, a substância para a qual essa palavra aponta pode ser constantemente vista em todo o evangelho. Tendo em vista que Jesus é identificado desde o começo como o Cordeiro de Deus que carrega o pecado do mundo, que Ele assegura aos galileus que dá a sua carne pela vida do mundo, e que também em João o evento da cruz constitui a consumação de toda a obra de Jesus, a “remissão dos pecados” está em jogo em tudo isso. Neste seu encontro com o Ressuscitado os próprios discípulos experimentaram a remissão de sua imensurável culpa. Podem, pois, sair e passar a outros essa dádiva. Seu envio não consiste apenas de “pregar”. Isso ainda não seria ajuda para aqueles que se encontram cativos sob o fardo de seu pecado. Cabe aos discípulos agir. “Perdoar pecados” e remi-los de tal maneira que sejam retirados da presença de Deus, isso é o maior feito que podemos realizar em favor de pessoas. Esse é o cerne de toda a salvação. Uma vez afastado o pecado, nada mais nos separa de Deus. [1]

Talvez seja isso que o reformador Martinho Lutero tenha querido dizer quando afirmo que “onde existe perdão dos pecados, ali também existe vida e bem-aventurança”.

Meu Senhor e meu Deus! Como são felizes os que creem sem ver! Os que, pela fé, com humildade e singeleza, se colocam diante de ti todos os dias e o adoram. Os que dominicalmente se reúnem para ouvir teu santo Evangelho. Os que perdoam os pecados dos que se encontram acorrentados a erros e circunstâncias do passado. Os que se reúnem às portas fechadas, pois são perseguidos pelos podres poderes deste mundo. Os que carregam no corpo as marcas da vida, cicatrizes na pele e na alma. Os que tem a estranha mania de ter fé na vida quando tudo aponta para a morte. Os que lutam pela vida diante de um Governo que insiste na morte.

Meu Senhor e meu Deus! Ajuda-me a ser como Tomé, que duvida, se arrepende e crê. Ajuda-me a ser como aqueles que creem sem ver. Μακάριοι, bem-aventurados, felizes, o mesmo termo usado no Sermão da Montanha, registrado por Mateus, é aqui usado por João. Sim, somos aqueles que são felizes por podermos celebrar a Páscoa. Não vimos, não estivemos lá, mas cremos e, porque cremos, vivemos e viveremos para sempre com nosso Senhor e Deus.

Meu Senhor e meu Deus! Como é bom saber que Jesus realizou e realiza mais, muito mais, do que qualquer livro, biblioteca, servidor na nuvem é capaz de registrar. Há tanto o que viver, tanto o que perdoar e libertar. Que possamos ter a autoridade e audácia dos discípulos que, mais tarde, enfrentariam as autoridades para proclamar que “O Deus de nossos antepassados ressuscitou Jesus dos mortos depois que os senhores o mataram, pendurando-o numa cruz. Deus o colocou no lugar de honra, à sua direita, como Príncipe e Salvador, para que o povo de Israel se arrependesse de seus pecados e fosse perdoado. Somos testemunhas dessas coisas, e assim é também o Espírito Santo, que Deus dá àqueles que lhe obedecem”. Atos 5:30–32

¹Boor, W. de. (2002). Comentário Esperança, Evangelho de João (p. 443–444). Editora Evangélica Esperança

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