Herança

Giovanni Alecrim
3 min readApr 9, 2024

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O maior tesouro que recebi de Dona Noeme Stutz

Baú da Dona Noeme, minha avó, quando o trouxe para minha casa, em outubro de 2020

Em nove de abril de 1924, portanto há cem anos, nascia Noeme Stutz. Se você me conhece, sabe bem quem ela é. Minha avó, mãe de mamãe.

Não tenho informação suficiente para transformar este texto num memorial de sua vida, mas tenho o suficiente para dizer do impacto dela sobre minha vida.

Durante quase onze anos, de dezembro de 1994 a novembro de 2005, morei com Dona Noeme. Saí da casa de meus pais para morar com ela, em São Paulo. O Giovanni de 15 anos, adolescente, na casa dos avós.

Hoje, olhando em retrospectiva, consigo ver melhor o que aqueles anos significaram para mim.

Recordo-me de minha vó me levando, toda terça-feira à tarde, para reunião de oração. Ali, ouvi orações sinceras, clamores profundos e corações derramados diante de Deus. Noeme me ensinou o significado do “orai uns pelos outros”.

Eventualmente, vovó saía a visitar pessoas que eram assistidas pela Igreja. Recordo-me de ir com ela à casa de uma família que estava sem comida, pois tinha dado o dinheiro todo para um empresário da fé ir a Israel orar. Ali, naquela casinha, vi vovó me ensinar sobre a presença de Deus: a oração em Israel não é mais poderosa que a oração feita aqui, viu?

No entanto, foi na dor que percebi a força de vovó. Já não mais morava com ela quando o tio Erasmo faleceu e, dois anos depois, o vô Júlio. Nestas duas perdas, pude ver o quanto sua fé era inabalável. A dor da saudade a consumia, o consolo do Espírito a fortalecia. Com ela, aprendi que toda dor não é por enquanto, por vezes, algumas são até o fim da vida, mas Deus não nos deixa à mercê de nossas dores.

Estes são três exemplos do muito que vi e vivi ao lado de minha vó. Quando olho em perspectiva para o passado, vejo tantos gestos de amor e acolhimento por parte dela, que fica difícil compreender certas posturas rígidas que presencio atualmente.

Noeme não foi uma mulher forte. Seria um estereótipo clichê demais para defini-la. Ela foi uma mulher que amou a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo. Esta foi a Noeme que convivi com ela por quase onze anos diariamente.

Por óbvio, você, que conviveu com a Noeme, terá outras percepções sobre ela. Naturalmente, somos levados a definir as pessoas pelos recortes de vida que tivemos com ela, sem levar em conta que as pessoas mudam ao longo do tempo.

Também por óbvio, é possível que sua experiência com ela não tenha sido boa, ou gerado boas lembranças. Está tudo bem, a vida é feita de convivências e nem sempre serão bons momentos apenas.

Os meus bons momentos com ela passam pelas alegrias de momentos que não voltarão. Foram, e sempre serão, memórias afetivas a me guiar.

O café passado logo cedo. O pão de sábado de manhã. Os biscoitos todo fim de semana. Tudo feito ao som da voz de vovó, entoando cânticos como “Rude cruz”, “Achei um bom amigo”, entre outros.

Pude, em vida, agradecer a ela por tudo o que fez por mim. Pude, ainda, colocar em seus braços meus dois filhos e dizer a ela a importância de tudo que ela me ensinou a viver.

O maior presente que recebi, eu recebi em vida. A herança que Dona Noeme me deixou é o maior tesouro que há: o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ela não abriu a Bíblia para me ensinar, ela me ensinou vivendo ao meu lado.

José, Dona Noeme e Antônio

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