Há uma saída!
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Quatro imperativos para viver em meio ao caos
¹E se o SENHOR não estivesse ao nosso lado?
Que todo o Israel diga:
²E se o SENHOR não estivesse ao nosso lado
quando os inimigos nos atacaram?
³Eles nos teriam engolido vivos
com sua ira ardente contra nós.
⁴As águas nos teriam encoberto,
a correnteza nos teria afogado.
⁵Sim, as águas violentas de sua fúria
nos teriam afogado.⁶Louvado seja o SENHOR,
que não permitiu que nos despedaçassem com seus dentes!
⁷Escapamos como um pássaro que foge da armadilha do caçador;
a armadilha se quebrou, e estamos livres!
⁸Nosso socorro vem do SENHOR,
que fez os céus e a terra.Salmo 124
Tive, na minha adolescência, um professor que escrevia uma equação matemática na lousa, daquelas que você não sabe bem por que o X foi parar do lado Y, com um quadro para complicar, uns sinais de multiplicação, divisão e, ao terminar de escrever, teatralmente virava-se para turma e dizia “problemas existem para serem resolvidos, e nem estou falando da equação que está na lousa, mas já que a escrevi, resolvam-na!”
Problemas existem para serem resolvidos. Gosto dessa frase, mas, com o perdão da redundância, a frase em questão tem um problema. Problemas existem para serem resolvidos, mas, e quando não tem solução?
Você poderia me dizer que “o que não tem solução, solucionado está”. Pode até ser uma boa saída, lógica, direta, mas só até o problema em questão ser um daqueles que você não vê solução, nem saída e, para piorar, é dos que tiram seu sono, sua paz, desafiando sua sanidade mental, confrontando sua saúde espiritual e atacando sua saúde física. Quando um momento caótico se instala em nossa vida, o que fazemos?
E é aqui que eu chego ao Salmo 124, com a imagem do povo a caminho de Jerusalém, ou nos degraus do templo, não sabemos ao certo, cantando as palavras que li a pouco.
O Salmo 124 recebe o título de “Cântico para os peregrinos a caminho de Jerusalém; salmo de Davi”, os chamados “cânticos de romagem” ou “cânticos dos degraus”. Em alguns manuscritos antigos, a menção a Davi é omitida. Se é de Davi, é provável ter surgido logo no início de seu reinado, o que demonstra a intensa pressão exercida sobre o reino pelos filisteus. Em Baal-Perazim, ele disse: “O SENHOR irrompeu no meio de meus inimigos como uma violenta inundação!” (2Samuel 5.20).
Não obstante, é bem provável que o salmo tenha tido sua redação final depois do exílio, quando o povo se alegra por Deus os haver preservado. Isto explicaria por que as ideias são expressas em termos comunitários: “Israel”, “nos atacaram”, “nos teriam”, “Escapamos”, “nosso socorro”.
Há muito tempo os cristãos têm dado boas-vindas a este cântico de louvor, quando o Senhor os estende seus braços e os livra.
O Salmo pode ser compreendido em seus quatro movimentos. Nos versos 1 e 2 temos o primeiro movimento: a afirmação do auxílio do Senhor. O uso repetido de “e se” é apenas hipotético, uma vez que não há dúvida de que o Deus pactual sempre esteve presente. O apelo é para que Israel faça uma declaração a respeito do livramento de Deus, mas as palavras que devem ser usadas estão omitidas.
É possível que o versículo 8 as forneça: “Que todo o Israel diga… Nosso socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra.” O fato de serem resgatados, pela graça de Deus, da ruína, agora é motivo de louvor nos corações e lábios.
O segundo movimento são as ilustrações nos versos de 3 a 5. O salmista utiliza duas ilustrações para aumentar significativamente o senso de livramento. A primeira parte (v. 3) trata da forma como seus adversários perceberam a destruição completa da nação. A situação de perigo extrema em que a nação estava se torna ainda mais nítida pela insinuação de que o monstro que os atacou só precisaria de um golpe para liquidá-los.
A segunda ilustração, (vs. 4 e 5), se relaciona com as torrentes súbitas, que são uma característica familiar da vida no Oriente Próximo. Um ribeiro seco pode se transformar em água corrente em questão de minutos. O cenário de destruição causado por uma inundação repentina descreve as investidas de grupos hostis contra Israel. Imagem que evoca Isaías 8.8, quando o profeta diz que a Assíria seria inundada com água até o pescoço.
Ambas as ilustrações demonstram a intenção de um ataque para causar a destruição da nação. Dois elementos se destacam nas ilustrações: o fogo ardente da ira, descrito no verso 3, contrasta com a força tempestuosa da água nos versos 4 e 5. Forças contrastantes que atacam Israel, ainda que ambas se oponham entre si.
O terceiro movimento é o escape providenciado visto nos versos 6 e 7. O fracasso dos ataques inesperados e severos é o motivo para um hino de louvor e agradecimento (v. 6). A resposta certa para a experiência que viveram é: “Louvado seja o Senhor.” Essa expressão é recorrente nos salmos quando se recorda do que Deus fez pelo seu povo (cf. Salmo 28.6; 31.21; 66.20; 144.1). O monstro terrível não conseguiu matá-los!
A imagem do povo ameaçado de ser despedaçado pelo inimigo, e sendo liberto pelo Senhor, é conhecida do povo pelo livro de Jó 29.17: “Quebrava as mandíbulas dos ímpios e de seus dentes resgatava as vítimas”.
A metáfora muda quando Israel é comparado a uma ave que escapa de uma armadilha (v. 7), imagem recorrente da literatura sapiencial. Atinge-se o clímax nas palavras “a armadilha se quebrou”. Deus destruiu a armadilha, que é tão terrível quanto mandíbulas escancaradas voltadas para seu povo (assim como uma ave indefesa). Puderam escapar.
Durante a história da igreja, essas expressões foram empregadas em diversas ocasiões, em que a bondade e o poder de Deus foram evidenciados a seu povo em momentos de dura opressão e perseguição.
O quarto é o último movimento é a declaração de confiança no último verso, o 8. Como já foi mencionado anteriormente, é provável que este seja o motivo pelo qual Israel foi chamado a cantar.
Aqui algo interessante acontece, uma mudança temporal nos verbos. Enquanto os versículos anteriores focam no passado, agora a perspectiva se lança para o futuro, com uma declaração de confiança no Deus pactual de Israel. O “socorro vem” e não apenas “veio”. Deus revelou o seu “nome” ou “caráter”, o que inclui o seu poder, evidente em sua obra como Criador. O Deus que criou os céus e a terra tem a habilidade e o poder de constantemente ajudar seu povo.
Nossa confiança em nossa própria força ou realizações deve ser trocadas pelo prazer do nome de nosso Deus, o que também é expresso no Salmo 20.7: “Alguns povos confiam em carros de guerra, outros, em cavalos, mas nós confiamos no nome do SENHOR, nosso Deus”. Passado, presente, futuro — ele continua sendo o ajudador, e podemos confiar nossas almas nas mãos do fiel Criador.
Provavelmente tendo em mente estes conceitos é que Pedro escreve em sua primeira carta, em 1 Pedro 4.19: “Portanto, se vocês sofrem porque cumprem a vontade de Deus, continuem a fazer o que é certo e confiem sua vida àquele que os criou, pois ele é fiel”.
Santo Agostinho coloca as palavras do verso 8 nos lábios dos mártires cristãos. Não é surpreendente que as Igrejas Reformadas, dentre outras, tenham frequentemente usado as palavras do oitavo verso como uma confissão pública em seus cultos.
Tendo em mente os quatro movimentos do Salmo 124, quero te convidar a olhar para quatro aspectos deste Salmo para nossas vidas, nos nossos dias.
Reconheça
Deus sempre se faz presente. O recurso poético do “e se não” do salmista é um convite ao reconhecimento: Deus se faz presente. O que aconteceria se Deus não estivesse presente? Já parou para pensar?
Este é um convite a um exercício importante: lembre-se de um evento angustiante e importante em sua vida. Tire dele a presença de Deus, o que teria acontecido? Como seria se Deus tivesse virado a face, se ausentado no momento de nossa angústia?
Reconhecer a mão de Deus nos momentos críticos de nossa existência deve ser um ato constante. Lembrar do que ele fez nos coloca diante da esperança e da confiança de que ele fará hoje.
Acontece que, em meio aos problemas, nossa memória por vezes se esquece dos livramentos e se apega no tamanho da adversidade. Portanto, não só reconheça, também…
Entenda
Ações extremas não são capazes de parar a vontade de Deus. Em outras palavras, não importa a intensidade do problema, tampouco a profundidade da circunstância que você vive, nada é páreo para o poder que tudo criou.
O salmista expressa tal verdade fazendo uso de dois elementos opostos: fogo e água. O fogo, que é capaz de reduzir a cinzas coisas enormes, ou a água, que é capaz de apagar o fogo e submergir tudo ao seu redor — lembre-se que a imagem da força da água é viva na memória do salmista por conta do dilúvio — nem mesmo a água e o fogo são capazes de deter Deus, que os criou.
Não sei qual a intensidade do problema que você vive. Desconheço a profundidade da circunstância que te cerca. Tampouco sei como isso tudo afeta sua saúde espiritual, mental e física. O que sei, e o salmista enfatiza, é que somente em Deus temos saída para tudo que nos assola. Portanto, reconheça a presença de Deus, entenda que nada impede a vontade dele e…
Creia
Sempre há uma saída. Não há barreira no caminho, não há caminho sem saída. Nem mesmo a morte é capaz de deter o poder de Deus. Quando tudo está perdido, sempre existe o caminho: Deus.
“Louvado seja o SENHOR, que não permitiu que nos despedaçassem com seus dentes!”. A imagem que o verso seis cria em minha mente é bem instigante. Imagino uma fera carregando sua presa, ainda viva, entre os dentes, para matar, despedaçar e se alimentar dela em um local seguro ou na presença dos filhotes. Como arrancar a presa de entre os dentes? Parece não haver saída, mas tem.
“Escapamos como um pássaro que foge da armadilha do caçador; a armadilha se quebrou, e estamos livres!” A outra imagem é igualmente interessante. O pássaro é atraído para a armadilha pelo seu instinto. Um alimento o atrai. Ele vai, sem se dar conta e, quando está para ser preso, a armadilha se quebra e ele escapa. Como?
Tanto no caso da fera, quanto da armadilha, a resposta é a mesma: Deus. Não importa o tamanho da fera, a sedução que te atraiu até a armadilha, Deus te livrará! Portanto, reconheça a presença de Deus, entenda que nada impede a vontade dele, creia que sempre há uma saída e, por fim,
Confia
Não importa o problema, o socorro vem. A essa altura já deu para você compreender que, realmente, não importa o problema! O socorro vem e você não está sozinho.
“Nosso socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra”. O cântico, que se inicia com um convite à memória, termina com uma declaração de fé, confiança pura e sincera na ação do Senhor!
O cântico possuí diversos indicativos do apelo comunitário ao reconhecimento da grandeza de Deus. Sabe o que isso significa? Que não somos seres solitários na jornada do Reino de Deus. Somos povo de Deus, e assim devemos ser e viver, pois assim fomos chamados pela graça libertadora e salvadora!
Se o seu momento presente é de sofrimento, angústia e opressão, saiba que não é o fim da linha. A bondade de Deus nos seguirá todos os dias, o nosso socorro veio, e sempre virá, e ele vem em nome do SENHOR!
Conclusão
Concluo recordando as quatro atitudes imperativas para nós, extraídas do Salmo 124. Reconheça! Deus sempre se faz presente. Entenda! Ações extremas não são capazes de parar a vontade de Deus. Creia! Sempre há uma saída. Confia! Não importa o problema, o socorro vem.
Quando um momento caótico se instala em nossa vida, chega a hora de lembrar do Salmo 124 e declara que o “nosso socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra”. O caos é maravilhoso, pois é a partir dele, de algo sem forma e vazio, que Deus faz nova todas as coisas.
Portanto, em meio ao caos da sua existência, submerso nas águas profundas da angústia, preso nas garras afiadas do sofrimento, reconheça, entenda, creia e confie! “Nosso socorro vem do SENHOR, que fez os céus e a terra”
Sermão pregado em 27 de agosto de 2023 na Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP