Enfrentando as dificuldades

Giovanni Alecrim
10 min readNov 17, 2021

Prontos para a jornada: um novo tempo exige de nós uma nova postura

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Sabe aquela rotina que temos de, todo ano, em novembro fazermos planos para dezembro e, em dezembro para o ano seguinte? Pois é, esta mesma rotina é acompanhada de outra: a de se frustrar por conta dos obstáculos e dificuldades que teremos para realizar nossos planos.

Se a vida é uma jornada, cheia de desafios e dificuldades, que a caminhada seja ao menos leve e bem consciente. Quando planejamos, muitas vezes, ignoramos os problemas e focamos nos sonhos, nos desejos. Mas a jornada da vida não é assim.

A série de mensagens deste mês se propõe a falar de uma jornada que se apresenta diante de nós. Há uma enorme expectativa com 2022, pois será o ano do retorno, da retomada, da reconstrução.

Prefiro olhar como um novo ciclo, um momento em que teremos uma jornada de adaptações e redescobertas, por isso, convido você a pensa comigo neste novo momento, olhando para dentro de casa, enfrentando as dificuldades e reconhecendo quem é que manda em todos os ciclos temporais que vivemos. Prontos para a jornada, nossa série de mensagens de novembro de 2021 quer conversar sobre estas três etapas fundamentais para que 2022 seja diferente.

E, como toda jornada, enfrentaremos dificuldades ao longo dela. Obstáculos não devem nos tirar a esperança, mas conduzir-nos fortalecidos rumo ao alvo. É sobre isso que falaremos hoje. Vamos ler Marcos 13.1–8 para juntos compreendermos o que Deus quer de nós neste novo ciclo.

1Quando Jesus saía do templo, um de seus discípulos disse: “Mestre, olhe que construções magníficas! Que pedras impressionantes!”.

2Jesus respondeu: “Está vendo estas grandes construções? Serão completamente destruídas. Não restará pedra sobre pedra!”.

3Mais tarde, Jesus sentou-se no monte das Oliveiras, do outro lado do vale, de frente para o templo. Pedro, Tiago, João e André vieram e lhe perguntaram em particular: 4“Diga-nos, quando isso tudo vai acontecer? Que sinais indicarão que essas coisas estão prestes a se cumprir?”.

5Jesus respondeu: “Não deixem que ninguém os engane, 6pois muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Eu sou o Cristo’, e enganarão muitos. 7Vocês ouvirão falar de guerras e ameaças de guerras, mas não entrem em pânico. Sim, é necessário que essas coisas ocorram, mas ainda não será o fim. 8Uma nação guerreará contra a outra, e um reino contra o outro. Haverá terremotos em vários lugares, e também fome. Tudo isso, porém, será apenas o começo das dores de parto.

O ser humano é, desde muito cedo, atraído por suntuosidades. A história bíblica da torre de babel, conhecida por muitos de nós, é uma prova do quanto a humanidade busca construir coisas maravilhosamente suntuosas para representar seu poder e força.

Ao longo do tempo, pirâmides, castelos, obras maravilhosas da engenharia, fruto da mão, mente, poder e força foram sendo erguidas e construídas. Causa-nos espanto vermos prédios, até mesmo o templo de nossa igreja, construído com imponência na paisagem.

No texto que lemos encontramos Jesus e os discípulos saindo do templo. Lá, ele havia ensinado sobre os valores do reino de Deus através de parábolas, respondido perguntas e confrontado os fariseus. Agora, terminado seu dia no pátio do templo, ele se dirigia ao monte das oliveiras, contemplando, ao longe, o templo.

Enquanto saía, um dos discípulos, não sabemos qual, exalta a beleza, majestade e grandiosidade do templo reconstruído e ampliado no governo de Herodes. Toda aquela arquitetura, grandiosa, ostentava um ar de eterno e indestrutível. Quem poderia derrubar tão grandiosa obra em honra a Deus?

O templo era o unificador nacional. Reconstruído após o exílio, era agora o centro político e religioso judeu. Era também o fiador da causa de Deus. Pelo templo vivemos e lutamos. As revoltas judaicas do século I d.C., acontecidas após a morte e ressurreição de Jesus, o templo era o elemento que fortalecia os revoltosos e os unia na batalha. Quando o templo sucumbiu, os judeus sucumbiram juntos.

Toda a grandiosidade arquitetônica, política e religiosa do templo de Jerusalém foi muito bem compreendida por Jesus e, naquele distanciar-se do templo, ele sentencia: “Está vendo estas grandes construções? Serão completamente destruídas. Não restará pedra sobre pedra!”. Em outras palavras: quanto maior a construção, maior a queda.

O que Jesus estava a dizer é que aquele templo não servia mais. A adoração não aconteceria mais ali. João deixou isto registrado em seu evangelho: Jesus respondeu: “Creia em mim, mulher, está chegando a hora em que já não importará se você adora o Pai neste monte ou em Jerusalém. (João 4.21). Anos mais tarde, o evangelista, talvez respirando os ares da derrota judaica em suas revoltas contra os romanos, foi enfático em dizer que nunca mais se adoraria no templo: Não vi templo algum na cidade, pois o Senhor Deus, o Todo-poderoso, e o Cordeiro são seu templo. (Apocalipse 21.22).

Mais tarde, no Monte das Oliveiras, Pedro, Tiago, João e André foram consultar o mestre sobre o que ele queria dizer. O templo vai sucumbir? Como assim? A dúvida genuína dos discípulos é respondida pelo mestre. Sejam sábios, não se deixem levar pelas aparências, vocês passarão por muita coisa e tudo isso é só o começo.

É partindo da leitura de Marcos 13.1–8 que quero dizer-te que temos que escolher se queremos erguer templos ou erguer vidas, e não nos alarmarmos diante das dificuldades que enfrentaremos.

Erguemos templos, deveríamos erguer vidas.

A beleza e grandiosidade do templo chamava a atenção de todos que a ele se achegavam. Erguido sobre o monte, era visto e admirado. Objeto de orgulho de todo judeu.

O mesmo ocorre conosco. Erguemos templos que nos são motivo de orgulho. Nem estou falando das quatro paredes que nos recebem nesta noite, falo de outro templo, não apenas o de alvenaria.

Erguemos templos abstratos, psicológicos, espirituais, que determinam como agimos no concreto. Determinamos que nossa saúde espiritual está nas mãos do pastor, e não na nossa. Colocamos nossa espiritualidade afastada de nossas relações com a família, o trabalho, a sociedade.

Por isso é muito fácil erguermos templos memoráveis e idealizados. Coloco uma pessoa como sustento do que creio e não preciso me comprometer, nem me envolver, ela é a referência.

Erguemos verdadeiros templos que chamamos pastor, irmão, apóstolo, presbítero, missionário, bispo, líder ou, para ser mais moderno, “influencer”, e transformamos nossa relação com um sagrado em um amontoado de frases de efeitos ditos por estes templos. Todos eles têm uma solução fácil para o problema da sua igreja, mesmo não conhecendo a sua realidade. Na era do “marketing” digital, até um texto escrito precisa ser repensado como “tweetável” e os espaços como “instagramável”. Acredite-me, sofro para escrever sentenças curtas.

Jesus está diante do templo, suntuoso, do outro lado do vale, e aquela suntuosidade não é mais algo que deveria causar espanto, mas sim terror. Um local que deveria ser de adoração e graça fora transformado em “esconderijo de ladrões” (Marcos 11.17).

Aliás, eis aí um bom nome para os templos que erguemos: esconderijo de ladrões. Quando eu alço alguém à condição de templo, senhor do que penso e faço em nome de Jesus, eu estou permitindo que me roubem a minha capacidade de pensar e agir por meio da fé.

A indignação de Jesus com a fé de seu tempo tinha nome certo: abandono. Os líderes religiosos abandonaram a capacidade de interpretar as escrituras do Primeiro Testamento à luz da misericórdia e graça e a transformaram num amontoado de regras a cumprir. O povo, em sua maioria, abandonou a busca por viver a fé em Javé e passou a buscar soluções mágicas para seus problemas. E até aqui eu estou falando da Palestina do século I, não do Brasil.

Quando Jesus diz “Serão completamente destruídas. Não restará pedra sobre pedra!”, ele não está falando só da destruição do prédio, mas principalmente da estrutura religiosa daquele povo. O templo cairia, “A partir de então, o judaísmo continuará a se desenvolver na diáspora, particularmente na Babilônia, separando-se mais do mundo greco-romano e se reunindo ao redor da Lei da fé em Javé”.[1] Os fariseus mudariam o foco de sua atuação de intérpretes da lei com profunda inserção política para cuidadores e mantenedores da fé judaica. Não foram só as estruturas do templo que ruíram naquele dia, mas toda uma estrutura de poder e opressão política e religiosa.

Minha oração para hoje, diante de um cenário tão parecido, são as palavras do profeta Habacuque: “Neste momento de tanta necessidade, ajuda-nos outra vez, como fizeste no passado”. (Habacuque 3.2). Há tanta coisa ruim acontecendo, as pessoas tomadas de certezas vis e sem empatia com o necessitado, e ainda assim, eu te digo: não se alarme com o mal.

Não se alarme com o mal, viva na esperança.

“Quando isso tudo vai acontecer?” os discípulos estavam preocupados com o fim do templo, a resposta de Jesus pode parecer clara, mas não foi bem assim naquele tempo.

Aqui, alguns comentaristas divergem. Uns vão dizer que Jesus falava das revoltas judaicas do século I e II. Outros, que ele fala do fim dos tempos e de sua volta. Seja qual for a escolha que você faça para interpretar esta fala do Mestre, saiba que Jesus está falando de dificuldades, mas, antes, ele precisa corrigir algo importante.

Jesus vê que seus discípulos são abordados por ideias sobre o fim que são um perigo para eles. Por isso ele os adverte: “não deixem que ninguém os engane”. Uma advertência que exige dos discípulos uma resposta. Qual? Discernimento, capacidade de pensar, de não alçar a condição de templo quem é gente como a gente. Pensar a própria fé e compreender o que Jesus diz. E ele sabia bem o que estava dizendo, pois, sabia que muitos seriam enganados.

Jesus responde ao pedido dos discípulos apresentando alguns sinais que acompanharão o fim dos tempos. “Vocês ouvirão falar de guerras e ameaças de guerras, mas não entrem em pânico. Sim, é necessário que essas coisas ocorram, mas ainda não será o fim. Uma nação guerreará contra a outra, e um reino contra o outro”.

Quem melhor explica este versículo é o teólogo alemão Adolf Pohl:

Notícias como estas, porém, podem ajudar a provocar uma febre escatológica. A igreja estranha a ideologia da guerra que gera salvação. Como pode ela, mesmo que só secretamente, ter esperanças no derramamento de sangue! O seu Senhor, cuja messianidade reside exatamente no fato de ter derramado seu próprio sangue, jamais virá por meio da guerra. Por isso é totalmente indigno da sua igreja perder o controle por causa de notícias de guerras e dar lugar a especulações desvairadas sem avaliá-las com inteligência.[2]

Notícias de guerras, desastres naturais, tudo isso não pode ser resumido a um simplista e nada sábio: “é o fim dos tempos mesmo”. Não, estes são apenas os primeiros sinais, ou como disse o próprio Jesus: “o começo das dores de parto”.

Quantas guerras aconteceram nos últimos dois mil anos? Quantos desastres naturais? Quanta fome como consequência das guerras e dos desastres naturais? É apenas o começo. Estamos vivendo apenas o começo de tudo. Não se alarme.

O que fazemos então? As dificuldades estão aí, 2020 foi um pandemônio. 2021 foi igual, mas 2022 promete ser diferente, as pessoas querem que seja o ano da vida delas, mas o que se avizinha, o que ouvimos e vemos, é que não será essa festa toda não. O que eu e você fazemos, então, diante das dificuldades?

Espera[3]

Esperança não é mera espera
É espera no coletivo;
Espera com espírito atio
Espera com coração vivo.

Esperança é braço erguido
É espera que busca justiça
Espera que luta por vida
Espera que cura a ferida

Por isso esperamos com esperança
Utopia é do amanhã, não de ontem
Esperança somos nós, não outrem.

É isso que fazemos. Esperamos com esperança o dia em que “todos verão o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória”. (Marcos 13.26)

Quando? Não sabemos. Por isso a esperança somos nós, nós a vivemos, a proclamamos e lutamos para que nossa utopia não seja mera espera no vazio, mas uma luta por um mundo de justiça e igualdade.

As guerras, os desastres, a ganância do ser humano estão aí, postos, e nós lutaremos contra estes podres poderes com a nossa esperança.

Conclusão

Concluindo. Onde está firmada a sua fé? Não permita que falsos messias se ergam sobre você dizendo o que você deve fazer, pensar ou falar a respeito da vida, sociedade, pandemia e política. Você é um ser pensante, Deus o criou assim. Não faça uso deste dom maravilhoso do discernimento, desperdiçando-o em troca de um punhado de falsas esperanças.

Nos últimos anos os evangélicos foram tomados pelo discurso do triunfalismo barato e da justiça a qualquer preço. Criaram um mito em torno de um falso messias e continuam a justificar suas barbaridades como se o próprio, e sua base de apoio, falassem em nome de Jesus. Sempre que a igreja abraçou o poder político, o resultado foi morte. De Constantino no Século III até nossos dias, passando por todos os governantes da história, independente do viés político, encontraremos a morte como resultado da omissão da igreja em sua função profética de denunciar e apontar a esperança como caminho.

Não permita que estes falsos messias dominem sua mente e coração. Compreenda o que Jesus está dizendo para mim e para você: não há dificuldade no mundo que possa nos tirar a esperança e espera na vinda de Cristo. Até lá, continuamos com os braços erguidos e a mente ativa, buscando sempre levar a mensagem da salvação para todo aquele que caminha em direção a morte.

Diante das dificuldades, com as bases de nossa fé bem definidas, sabe o que acontece? Colocamos as coisas no seu devido lugar e reconhecemos quem é que manda. É sobre isso que falaremos no próximo domingo.

[1] ARAÚJO, Giovanni Campagnuci Alecrim de. Panorama da História de Israel, A segunda revolta judaica. Publicado em De casa em casa, https://medium.com/de-casa-em-casa/a-segunda-revolta-judaica-7c17687376d1 acessado em 13/11/21

[2] Pohl, A. (1998). Comentário Esperança, Evangelho de Marcos (p. 366). Curitiba: Editora Evangélica Esperança.

[3] Poema inédito de Giovanni Alecrim

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