Chamado, obediência e ação

Giovanni Alecrim
7 min readNov 5, 2023

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Lições da travessia do Rio Jordão para a Igreja do século XXI

[7]O SENHOR disse a Josué: “Hoje começarei a fazer de você um grande líder aos olhos de todo o Israel. Eles saberão que estou com você, assim como estive com Moisés. [8]Dê a seguinte ordem aos sacerdotes que carregam a arca da aliança: ‘Quando chegarem junto às margens do Jordão, parem exatamente ali’”.

[9]Então Josué disse aos israelitas: “Aproximem-se e ouçam o que diz o SENHOR, seu Deus. [10]Hoje vocês saberão que o Deus vivo está entre vocês. Ele certamente expulsará os cananeus, os hititas, os heveus, os ferezeus, os girgaseus, os amorreus e os jebuseus de diante de vocês. [11]Vejam, a arca da aliança, que pertence ao Soberano de toda a terra, os conduzirá para o outro lado do Jordão! [12]Escolham agora doze homens das tribos de Israel, um de cada tribo. [13]Os sacerdotes levarão a arca do SENHOR, o Soberano de toda a terra. Assim que seus pés tocarem as águas do Jordão, a correnteza será interrompida rio acima, e as águas se levantarão como um muro”.

[14]O povo deixou o acampamento para atravessar o Jordão, e os sacerdotes que levavam a arca da aliança foram à frente deles. [15]Era a estação da colheita, e o Jordão transbordava sobre as margens. Assim que os sacerdotes que levavam a arca puseram os pés na água junto às margens do rio, [16]a correnteza acima daquele ponto foi interrompida e começou a se acumular a uma grande distância de lá, perto da cidade chamada Adam, nos arredores de Zaretã. E a água abaixo daquele ponto correu para o mar Morto, até o leito do rio secar. Então todo o povo atravessou em frente da cidade de Jericó.

[17]Os sacerdotes que levavam a arca da aliança do SENHOR ficaram parados no meio do leito do rio, em terra seca, enquanto o povo passava. Esperaram ali até que todo o Israel tivesse atravessado o Jordão em terra seca.

Ao fim da Torá, abre-se um bloco que a tradição judaica chama “Profetas Anteriores”. A academia chama “Obra Historiográfica Deuteronomista” e entrelaça este bloco com o livro de Deuteronômio, por terem uma teologia própria: as gerações observaram ou não a vontade de Javé? Os capítulos 1–12 contam como a terra prometida foi conquistada. Após a travessia do Jordão, a celebração da chegada à terra, acontece a conquista de Jericó. Ao longo deste trecho, a conquista da terra vai sendo mostrada de forma escalonada e lógica, cidade por cidade.

O nosso trecho narra a travessia do Jordão. Josué já havia enviado espias para conhecer a terra e agora se preparavam para cruzar o Rio Jordão próximo à sua foz, no mar morto.

A escolha do local levou em conta dois fatores. Em primeiro lugar, os acessos ao Jordão, neste setor, eram mais seguros. Em segundo, o local oferecia fácil manobra em caso de um contra-ataque surpresa dos inimigos, tendo ao seu redor diversas tribos que poderiam se aliar ao povo para garantir sucesso na empreitada. Não foi um local escolhido a esmo.

O período da travessia também foi planejado. Era estação da colheita e o rio transbordava naturalmente nesta época. A água represada na foz não chamaria atenção, ainda que o volume fosse maior que o habitual, dos povos acima do curso do rio.

Sim, esta é uma narrativa de guerra. O povo está para ocupar a terra e enfrentará oposição. Estão diante de um estado de guerra e, nesse caso, vão começar atravessando o Rio a seco.

É impossível não lembrar de outra travessia à seco, só que de um mar, alguns anos antes. Há diferenças, grandes, entre elas.

Uma foi em fuga, a outra é para conquista.

Uma foi num mar, a outra é num rio.

Uma o cajado batido abre o mar, a outra é o povo andando com arca à frente que param as águas do rio.

Uma foi para sair da escravidão, a outra para semear uma nação livre.

É olhando para este cenário que quero meditar com vocês em como somos chamados por Deus para nossa caminhada de fé e o quanto essa caminhada é impossível de ser feita a sós.

Chamado é obediência

Josué é levantado por Deus. Na história escrita pelos autores bíblicos, homens e mulheres são destacados dos demais com o intuito de liderar o povo em uma jornada ou missão. O aspecto não é da construção de um herói, nem devemos construir essa falsa simetria. Não há a jornada do herói nas construções das histórias bíblicas. O aspecto é da relação humana destes homens e mulheres e sua relação com o sagrado e a história da humanidade.

Nessa perspectiva, o chamado de Josué é reconhecido pelo povo. O líder é líder quando o povo o segue, entende e vê nele algo a ser considerado a se imitar ou seguir. A Bíblia é repleta de exemplos de bons e maus líderes, pessoas que, diante de um dom ou talento adquirido, faz uso da manipulação para o mal, ou da obediência a Deus para o bem.

É isto que difere os bons dos maus líderes. Josué foi obediente a Deus, por isso foi líder do povo na entrada na terra prometida. A obediência é o caminho daqueles que se submetem à mão poderosa de Deus. Mais que milagres e feitos grandiosos, os obedientes a Deus são prontos a servir ao próximo, ser parte de um todo na construção do Reino de Deus.

Lembre-se que você foi chamado das trevas para a luz, para uma vida de serviço e dedicação ao Reino de Deus. Não se trata mais de um chamado para uma liderança militar, como a de Josué, é um chamado para a vida de serviço. Chamado é obediência a Deus, e obediência é ação.

Obediência é ação

Josué chama a atenção do povo para ouvir a vontade de Deus. Ele não passa horas argumentando, montando estratégias de convencimento e persuasão. Ele é direto: ouçam o que diz o Senhor, seu Deus. Uma atitude simples e de coragem. Somente quem caminha em obediência à Deus pode falar do que ele quer para seu povo. Não há como desassociar o discurso da vida.

Josué segue em seu discurso mostrando que sua obediência a Deus é manifesta no senso de pertencimento ao povo de Deus. Deus não está com Josué, apenas: o Deus vivo está entre vocês. Não é Josué que fará a obra, não é ele que fará tudo acontecer, é Deus por meio do povo. Ele sabe que é só mais um no meio do povo de Deus a cumprir o que o Senhor quer deles.

Josué demonstra noção do todo a ser feito, instrui o povo com sabedoria para que cumpra a travessia em segurança e todo o povo passe para outra margem do Rio Jordão. A Arca da Aliança é, naquele momento, o elemento unificador. Os doze homens das tribos de Israel são o elemento representativo. Os sacerdotes são os servidores, quiçá serviçais, a cumprir o chamado de Deus. Chamado é obediência a Deus; obediência é ação; e ação é parceria

Ação é parceria

Em tudo que vimos, até aqui, temos a mão de Deus chamando Josué e o enviando. Josué instruindo o povo e o povo, com Josué, agindo. Percebam que não há ação solitária, apenas e tão somente ações solidárias. Deus e Josué e o povo.

Ação é sempre parceria. Não há o grande herói, o faz tudo que resolve geral. Há pessoas que são parte de um todo e que agem. Essa parte é importante! Elas agem! Sim, não ficam esperando que outro resolva para ela, elas vão lá e agem, caminham confiantes, motivam os demais, ajudam os mais fracos, incentivam os desanimados.

O Reino de Deus é construído em parceria. Servos não são concorrentes entre si, antes, são parceiros na construção do Reino de Deus, sempre ouvindo o chamado, obedientes a Deus e agindo em parceria.

Conclusão

Quero concluir dizendo a você que o milagre do Jordão represado pelos pés do povo é mais um dos milagres de Deus quando seu povo se dispões a caminhar em seus caminhos. A Arca da Aliança parada, no meio do rio seco, esperando o povo de Deus passar nos revela que o Senhor não quer que nenhum dos seus fiquem para trás. Se for preciso esperar, vamos esperar, pois nossa espera não é solitária, nem mera espera, é esperança, sempre.

Quais as lições da travessia do Rio Jordão para a Igreja do século XXI? Primeira: chamado é obediência. Segunda: Obediência é ação. Terceira: ação é parceria. A síntese de tudo? Deus nos chama imperativamente para uma vida de obediência e serviço, em parceria com Deus e com o povo. O chamado é comunitário. A vida é comunitária. Viva em comunidade. Que Deus nos abençoe.

Ao término desta mensagem, que trata da ocupação da terra prometida, é singular que eu abra um apêndice aqui. Tenho visto muitos cristãos defendendo este ou aquele lado nos conflitos na Palestina.

Uns dizem que Israel tem direito divino a esta terra. Não tem. A catástrofe do exílio foi a resposta de Deus ao povo que entrou em Canaã com Josué e que não permaneceu fiel. O Israel que entrou em Canaã não existe mais. Nem mesmo o Israel que saiu no exílio, que voltou dele e que se dispersou em 70 d.C.

Há uma diferença muito grande, e importante, entre a ocupação da Palestina narrada na Bíblia e a ocupação por Israel em 1948. A primeira foi ordem de Deus e está na Bíblia, a segunda é vontade única e exclusiva dos homens e seus poderes. Não façam essa confusão.

Sermão pregado em 5 de novembro de 2023 na Igreja Presbiteriana Independente de Tucuruvi, São Paulo, SP

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