A Palavra… habitou entre nós
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Que você tenha um Natal comum
Assim, a Palavra se tornou ser humano, carne e osso, e habitou entre nós. Ele era cheio de graça e verdade. E vimos sua glória, a glória do Filho único do Pai. João 1.14
Em 1995 Joan Osborne lançou uma canção que ganhou vida própria. Em seu refrão ela perguntava, repetidamente:
What if God was one of us?
Just a slob like one of us
Just a stranger on the bus
Trying to make his way home
Numa tradução livre:
E se Deus fosse um de nós?
Apenas um desleixado como um de nós
Apenas um estranho no ônibus
Tentando ir para casa
A música toda gira em torno da premissa de que Deus segue seu caminho, em meio ao caos ao redor, e não é notado por ninguém. Ele é alguém comum. Ninguém o incomoda. Segundo a canção, ninguém telefona para Deus, a não ser, talvez, apenas o Papa, lá de Roma.
À época, a canção conseguiu o que queria: cravou sua presença na história da música anglófona e ainda gerou e gera polêmicas até hoje. Talvez num dia como o de hoje, 25 de dezembro, não seja bem um dia para se lembrar de uma canção que afirma que Deus é só mais um de nós e que sequer o notamos. Afinal, estamos acostumados às imagens das caravanas do oriente, os pastores e seus rebanhos, multidão de anjos, estrela que para sobre o local do nascimento e tantos outros sinais visíveis e palpáveis.
Fato é que, exceção feita aos personagens dos relatos evangélicos, os eventos do dia do nascimento de Jesus não causaram nenhum interesse histórico. Passou desapercebido para o restante da humanidade daquele tempo.
Quando o mistério se encontra com a realidade, talvez seja a poesia a melhor maneira de se descrever o que acontece. Deve ser por isso que o relato de João é tão fascinante. Ele aplica a teologia do Logos, da Palavra, que já vinha se desenvolvendo como um conceito da sabedoria grega e hebraica já há pelo menos dois séculos e o aplica ao nascimento de Jesus como sendo a síntese de tudo o que a sabedoria e a vida possa encontrar como definição. A essência da Palavra, da ação, do verbo, do que faz a vida ser vida se transformou em algo limitado e finito, se tornou humano, carne e osso.
A abertura do Evangelho de João é um convite à reflexão acerca da existência de Jesus antes mesmo de seu nascimento, antes de existir o que eu e você conhecemos como tangível. É aqui que nos encontramos, como seres humanos, diante de uma cena pouco vista e lembrada. O infinito fez-se finito. Aquilo que abarca e define a existência como um todo resumido a uma criança gestada e agora nascida nos braços de uma mulher, judia, de uma cidade pequena, num recenseamento de um Império cruel e em meio a fezes de bichos, feno e fedor animal.
Leonardo Boff sintetizou o espírito do Natal ao afirmar que “Todo menino quer ser homem. Todo homem quer ser rei. Todo rei quer ser Deus. Só Deus quis ser menino”. Enquanto muitos brigam pelo poder, o poder em pessoa vem na frágil figura de um recém-nascido. Uma criança periférica, pobre, retirante de sua terra por conta de um censo e cercado de opressões por todos os lados. Para a região da Palestina no Século I, era mais uma família comum, tendo um filho comum.
Comum. Característica do que é geral, de todos. Deus, ao escolher se fazer ser humano, não quis ser mais que ninguém, menos que ninguém, quis ser comum. Alguém que passaria despercebido, cujo rosto não nos despertaria em nada, seria só mais um filho de Zé e Maria.
Deus quis ser comum. E foi assim que foi. E sendo comum, fez-se um com os seus. Não veio de passagem, como um evento cataclísmico a abalar a história. Veio como uma nascente de água que, lentamente, vai ganhando volume e intensidade, não por si só, mas por somar-se a outras águas e, sendo águas comuns, se tornam um enorme rio a desaguar no mar de amor eterno.
Deus quis ser comum. E foi assim que foi. E sendo comum, fez-se um com os seus. Não foi uma grande personalidade de seu tempo, mas sim, mais um cidadão da Palestina do Século I. Foi assim por não se proteger nos palácios reais, não, o rei dos reis veio se expor e habitar entre nós, não aquém de nós.
O que tudo isso nos ensina? O que tiramos de lição? Partindo da premissa que a Igreja é o Corpo de Cristo e que somos chamados a testemunhar Cristo, o que tiramos de lição é muito simples e claro: não dá para falar de Jesus somente dentro do templo. Não dá para se esconder à sombra do púlpito, das paredes e do telhado do templo. É preciso fazer morada entre os povos, as pessoas. Lembre-se, fazer morada não é ser mais que ninguém, pelo contrário, é ser mais um entre tantos. No entanto, sendo mais um, seremos comuns e, ao mesmo tempo, incomuns.
Jesus foi tão humano que sua humanidade causou espanto, foi tão divino que sua divindade causou tanto fascínio quanto inveja. Sendo Deus e homem, não se isolou, esteve com os que sofrem, os desprezados, ignorados e marginalizados.
Conclusão
Concluo, então, esta breve mensagem de Natal, voltando à hipótese cantada por Joan Osborne:
E se Deus fosse um de nós?
Apenas um desleixado como um de nós
Apenas um estranho no ônibus
Tentando ir para casa
Esta hipótese é, na verdade, realidade. Sim, Deus foi como um de nós. Não pegou ônibus para ir para casa, mas vivencio praticamente tudo o que um ser humano da Palestina no Século I poderia vivenciar.
E hoje? Hoje é com você e comigo. Nós somos chamados a sermos estes que as pessoas olharão e dirão: “humpf! Só mais um”. E sabe o que nós responderemos? Graças a Deus, pois o Senhor de nossas vidas não nos enviou a sermos reis, mas sim servos e nós vamos com alegria, sendo instrumentos da graça de Deus, acolhendo os que o poder público, a sociedade e as instituições religiosas insistem em dizer que não são merecedores por serem comuns.
Que o seu Natal seja muito comum, em meio aos comuns, sem querer brilhar mais que nada e que apenas a luz de Cristo brilhe em você e que você faça morada com os que Deus colocar em seu caminho para que eles possam conhecer a glória de Deus Pai.