A cruz do governo
Como a apropriação do nome de Cristo deturpa a mensagem da cruz
Nada define melhor a imagem do governo atual que a junção de três símbolos fortíssimos. A cruz, símbolo da morte, ressignificada dois mil anos atrás como símbolo da vida, tornou-se o elemento identificador dos cristãos ao longo dos séculos. A corrente, elemento que seria para trazer segurança, mas que aprisiona e limita a ação das pessoas. O revólver, o símbolo da campanha presidencial do atual presidente, feito com as mãos, simbolizando a morte que viria. E a morte veio. Veio em forma do aumento de assassinatos por parte da polícia, que a imprensa chama de execuções e a corporação de efeitos colaterais. Veio em forma de redução da fiscalização dos órgãos que supervisionam o meio ambiente, permitindo que mais queimadas assolem as florestas, o cerrado e o pantanal. Veio em forma de exclusão social, aumentando o preço do alimento fundamental da mesa do pobre e reivindicando a indicação de alimentos multiprocessados como sendo saudáveis.
A apropriação do nome de Cristo faz com que o atual governo se equipare a todos os governos que, ao longo da história, encontraram na manipulação religiosa a motivação para oprimir, torturar e matar. É singular que quem defenda “a moral e os bons costumes” sejam aqueles que apreciam a tortura e o assassinato dos que querem a liberdade de ser quem são. Negros, homoafetivos, pobres são as vítimas de um sistema que quer explorar ao máximo todos os recursos, entre eles, o humano. Não é possível ler os Evangelhos e encontrar neles respaldos para justificar nada do que estamos vendo. A ação mortífera do governo, chamada de necropolítica, tem tirado sistematicamente a vida das pessoas.
Onde vemos isso de maneira mais clara é no gerenciamento da pandemia do COVID-19. A maneira como o governo vem conduzindo, claramente manifesta que a morte de brasileiros pouco importa para eles. Tem mais é que morrer. É isso que eu vejo quando olho para os gráficos e o que falam os cientistas em contraste ao que faz o governo. Federal, Estadual e Municipal, não importa, o que querem é garantir o lucro, a roda esmagadora no mercado não pode parar, se morrerem 130.000, não tem problema, temos mais para matar, para repor. Recordo de uma frase dita, anos atrás, por uma pessoa muito próxima a mim: “não tem problema morrer pobre, eles gostam de ter filhos”. É essa visão, de que as vidas possuem valores diferentes e que o pobre é um subproduto da humanidade é que faz com que a sociedade se manifeste cada dia mais egoísta e utilitarista diante dos problemas.
Um governo que ergue a voz e se arvora como cristão não pode ser um governo cristão. Primeiro, porque no governo cristão quem governa é Cristo e ele não faz uso de representantes para tal. Segundo, que o governo de Cristo não é uma democracia, nem mesmo uma anarquia, mas sim uma monarquia absolutista, a diferença do que conhecemos como tal e o que é o governo de Cristo, é que monarquia absolutista de Cristo não se dá pela violência, mas pelo amor, o que garante misericórdia, liberdade e inclusão. Portanto, se o governo se arvora cristão, ele jamais seria um governo de morte. Todas as vezes que a poder político e o poder religioso se uniram, o resultado foi morte. Por isso, ao tomar o símbolo da cruz para si, o atual governo cancela a ressignificação que os cristãos deram para a cruz como símbolo de vida e a recoloca como de morte.
Encerro dizendo que o atual governo se uniu ao que há de pior no cristianismo: igrejas fundadas em deter poder nas mãos. Nessa conta estão os calvinistas, neopentecostais, pentecostais, católicos romanos e ortodoxos que, no afã de garantir privilégios terrenos, se esqueceram que “‘A religião pura e verdadeira aos olhos de Deus, o Pai, é esta: cuidar dos órfãos e das viúvas em suas dificuldades e não se deixar corromper pelo mundo”. (Tiago 1.27)