A carta da alegria: alegria em prosseguir

Giovanni Alecrim
9 min readJun 17, 2022

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Em tempos de profundas tristezas e clima tenso na política, sociedade e economia, a boa nova de salvação vem para nos colocar na perspectiva da vida que realmente é vida. A vida que liberta, fortalece e cura. A vida em alegria que somente aqueles que superaram os desejos e anseios deste tempo são capazes de experimentar. Quando superamos as expectativas de nossos dias, encontramos nossa essência nas mãos daquele que nos chamou para uma vida de proclamação e sofrimento, e isto nos alegra demais.

É olhando para uma carta que é permeada de alegria que vamos passar juntos o mês de junho. Não é um convite para nos alienarmos de tudo ao nosso redor, mas sim para nos alinharmos com a alegria que é viver a vontade de Deus. É assim que vamos olhar, em quatro domingos, para a carta de Paulo aos Filipenses. Conforme formos lendo o texto, por blocos, vamos comentando o que está ali e situando no tempo e espaço o que está sendo colocado.

Em nosso primeiro encontro falamos sobre o capítulo 1 e concluímos com quatro atitudes que devemos ter: 1. Transborde em amor. 2. Pregue por amor. 3. Honre a Cristo. 4. Viva seu privilégio. Em nosso segundo encontro falamos sobre o capítulo 2 e concluímos com quatro atitudes que devemos ter: 1. Amem-se mutuamente. 2. Brilhem por Cristo. 3. Apeguem-se à mensagem. 4. Honrem os líderes. Hoje vamos ao capítulo três e, ao final, mais quatro atitudes para vivermos.

O valor inestimável de conhecer a Cristo

¹Por fim, meus irmãos, alegrem-se no Senhor. Nunca me canso de dizer-lhes estas coisas, e o faço para protegê-los.

²Cuidado com os cães, aqueles que praticam o mal, os mutiladores que exigem a circuncisão. ³Pois nós, que adoramos por meio do Espírito de Deus, somos os verdadeiros circuncidados. Alegramo-nos no que Cristo Jesus fez por nós. Não colocamos nenhuma confiança nos esforços humanos, ⁴ainda que, se outros pensam ter motivos para confiar nos próprios esforços, eu teria ainda mais!

⁵Fui circuncidado com oito dias de vida. Sou israelita de nascimento, da tribo de Benjamim, um verdadeiro hebreu. Era membro dos fariseus, extremamente obediente à lei judaica. ⁶Era tão zeloso que persegui a igreja. E, quanto à justiça, cumpria a lei com todo rigor.

⁷Pensava que essas coisas eram valiosas, mas agora as considero insignificantes por causa de Cristo. ⁸Sim, todas as outras coisas são insignificantes comparadas ao ganho inestimável de conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele, deixei de lado todas as coisas e as considero menos que lixo, a fim de poder ganhar a Cristo ⁹e nele ser encontrado. Não conto mais com minha própria justiça, que vem da obediência à lei, mas sim com a justiça que vem pela fé em Cristo, pois é com base na fé que Deus nos declara justos. ¹⁰Quero conhecer a Cristo e experimentar o grande poder que o ressuscitou. Quero sofrer com ele, participando de sua morte, ¹¹para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dos mortos!

A carta aos filipenses é de autoria de Paulo, não há dúvidas quanto a isto. Ao lado do bilhete à Filemon é a que mais se assemelha em estrutura e propósito a uma carta: espontânea, pessoal, rica em confidências, e nos conduz mais próximo da fé que o apóstolo professa.

Quem lê Filipenses com mais atenção no quê e em como está escrito o texto, percebe que até o verso 1 do capítulo 3 temos um tom de diálogo e conversa e, de repente, no verso 2 do capítulo 3, saímos dos ternos afetos para o tom severo de advertência. O capítulo 3 começa, na primeira parte do verso 1, com palavras afetuosas e um convite à alegria, como que encerrando o bloco dos dois primeiros capítulos para, em seguida, transformar-se em um ataque aos falsos mestres que contrasta com a serenidade dos primeiros capítulos. Isto nos revela o contraste entre os dois primeiros capítulos e nos mostra realidades diferentes. Até então, temos uma igreja querida e forte na fé. A partir do capítulo 3, as pessoas precisam ser lembradas da fidelidade ao evangelho e como é importante fugir dos falsos ensinos que ameaçam a comunidade. Os capítulos 3 e 4 de Filipenses nos reservam diversas destas rupturas, o que nos leva a crer, em linhas gerais, que a carta aos Filipenses é, na verdade, a soma de diversos bilhetes enviados àquela comunidade e que foram compilados num único volume. Ao todo temos quatro rupturas, sendo três delas no capítulo 4. Independente se é um bloco único com variações de vocabulário e tema, ou se três cartas compiladas em uma, tudo isso é secundário na interpretação do texto, visto seu conteúdo ser o primário. Então vamos ao conteúdo dos primeiros versos do capítulo 3.

Paulo está preocupado com a influência de falsos ensinos na comunidade. Para quem estuda um pouco do contexto da igreja no século I, sabe que a principal corrente que tentou distorcer o evangelho foi o gnosticismo, crença de que somente a purificação da alma e sua elevação importa e que a existência neste plano é irrelevante. Tal pensamento foi profundamente atacado por Paulo e ele ainda existe em nossos dias. Tem gente que acha que o que importa é sua salvação e o resto é resto e busca uma espiritualização tão grande de suas vidas que condenam ao inferno sem o menor temor e tremor diante de Deus. Isto não é evangelho, é gnosticismo. Mas não são os gnósticos a preocupação de Paulo. Quem é, então? Os judeus convertidos. A prova disto está nos versos 5 a 7, onde Paulo expressa seu currículo e a importância disto para sua jornada: nenhuma, é tudo insignificante.

Continuemos nossa leitura.

Prosseguindo para o alvo

¹²Não estou dizendo que já obtive tudo isso, que já alcancei a perfeição. Mas prossigo a fim de conquistar essa perfeição para a qual Cristo Jesus me conquistou. ¹³Não, irmãos, não a alcancei, mas concentro todos os meus esforços nisto: esquecendo-me do passado e olhando para o que está adiante, ¹⁴prossigo para o final da corrida, a fim de receber o prêmio celestial para o qual Deus nos chama em Cristo Jesus.

¹⁵Todos nós que alcançamos a maturidade devemos concordar quanto a essas coisas. Se discordam em algum ponto, confio que Deus o esclarecerá para vocês. ¹⁶Contudo, devemos prosseguir de maneira coerente com o que já alcançamos.

¹⁷Irmãos, sejam meus imitadores e aprendam com aqueles que seguem nosso exemplo. ¹⁸Pois, como lhes disse muitas vezes, e o digo novamente com lágrimas nos olhos, há muitos cuja conduta mostra que são, na verdade, inimigos da cruz de Cristo. ¹⁹Estão rumando para a destruição. O deus deles é seu próprio apetite. Vangloriam-se de coisas vergonhosas e pensam apenas na vida terrena. ²⁰Nossa cidadania, no entanto, vem do céu, e de lá aguardamos ansiosamente a volta do Salvador, o Senhor Jesus Cristo. ²¹Ele tomará nosso frágil corpo mortal e o transformará num corpo glorioso como o dele, usando o mesmo poder com o qual submeterá todas as coisas a seu domínio.

⁴.¹Portanto, meus amados irmãos, permaneçam firmes no Senhor. Amo vocês e anseio vê-los, pois são minha alegria e minha coroa de recompensa.

Paulo expressa sua fé por meio do testemunho diante dos Filipenses e, ao fazê-lo, não se julga superior nem mesmo um cristão completo, pelo contrário, ele compreende que não é perfeito, antes, pecador. Mas uma certeza ele tem: esta corrida não terminou, ele ainda não alcançou a perfeição e sabe que só em Cristo Jesus isto acontecerá, na glória, na graça, no amor de Deus. Ele tem muito claro a dimensão desta jornada e convoca os filipenses para este desafio. Mas é preciso renúncia, deixar o passado no passado. Não dá para prosseguir com penduricalhos, coisas que achamos essencial, mas que nada colaboram para o desenvolvimento de nossa fé. Temos um alvo, uma meta, e ela não é para o sucesso e promoção pessoal, nossa meta e alvo é Cristo, pois nele fomos chamados por Deus para receber o prêmio celestial.

É neste viés argumentativo que Paulo faz um apelo à maturidade. Se você é cristão maduro saberá que as coisas pequenas não importam, mas sim as fundamentais. Os penduricalhos são dispensáveis, a corrida da fé cristã é o essencial. Como conseguir prosseguir nesta direção? Paulo é ousado: ¹⁷Irmãos, sejam meus imitadores e aprendam com aqueles que seguem nosso exemplo. Não há outra maneira senão pelo exemplo. Há muitos cuja conduta é elevadamente moral e ilibada — coisa que muita gente fala e não sabe o que significa: puro, sem mancha — mas justamente esta conduta é que os torna inimigos da cruz. Pensam exaltar a moral e bons costumes, mas exaltam a morte e a separação.

É por isso que Paulo relembra que, apesar de serem de uma cidade jus italicum (cidade com os mesmos direitos de uma cidade italiana, respondendo diretamente à Roma, da qual reproduzia a estrutura de funcionários, magistrados e guardas imperiais), os cristãos de Filipos são, na verdade, cidadãos do Reino de Deus cuja esperança não está no Império, em Roma, ou no Imperador, mas na volta de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Maranata! Portanto, não se percam brigando pelos poderes deste mundo, mas se mantenham firmes no Senhor, transformando vidas em alegria, jamais em objetos de condenação e dominação.

Conclusão

Quero, para concluir, destacar quatro atitudes recomendadas por Paulo aos Filipenses e que devemos praticar em nossos dias:

  1. Alegre-se no que Cristo fez: ao recomendar a alegria na obra de Cristo, Paulo imediatamente destaca que não colocamos nossa confiança em esforços humanos. Não há nada que você, eu ou qualquer outra pessoa possa fazer capaz de nos dar a alegria que só em Jesus nós temos. E Paulo enfatiza isto, dizendo que se alguém pensa que pelos próprios méritos poderá alcançar a graça de Deus, ele poderia ser o exemplo disto, por conta de seu currículo como judeu. Mas ele compreendeu que seu mérito não vale absolutamente nada. Portanto, pare de se orgulhar de seu currículo eclesiástico e religioso, moral e espiritual, e passe a se alegrar na obra de Cristo e seus efeitos de vida e comunhão sobre nós. Para tal, precisamos da segunda atitude:
  2. Conheça a Cristo: ao nos alegrarmos no que cristo fez, seremos conduzidos a conhecer melhor a Cristo. Para tal o apóstolo nos propõe um caminho: primeiro, deixar todas as coisas que nos dão segurança e certezas, considerando-as menos que lixo; segundo, não contar com a própria justiça, mas sim com a justiça que vem de Cristo, pois é pela fé que somos declarados justos por Deus. Portando, faça como o apóstolo Paulo e declare: ¹⁰Quero conhecer a Cristo e experimentar o grande poder que o ressuscitou. Quero sofrer com ele, participando de sua morte, ¹¹para, de alguma forma, alcançar a ressurreição dos mortos!
  3. Prossiga: alegrar-se na obra de Cristo e conhecê-lo te levará à conclusão que Paulo chega: prossiga! Não pare! Você não é perfeito, não alcançou a perfeição e só a alcançará na glória. Por isso, não pare de caminhar, buscando ser cada vez mais parecido com Cristo. Não dá, nesta jornada, para ir carregando pesos que não nos cabem mais. Culpa, remorsos, angústias que carregamos a vida toda não cabe nesta jornada e Paulo nos recomenta: esqueça do passado, olhe para o que está adiante. A vida acontece agora, não ontem, nem amanhã, é hoje. Viva sua vida prosseguindo o alvo no amanhã como se já o tivesse alcançado hoje. Prossiga!
  4. Imitem e sejam imitáveis: alegrar-se na obra de Cristo e conhecê-lo te levará à conclusão que Paulo chega: prossiga! Mas como fazer isto? Imitem o apóstolo e sejam imitáveis! Quanta ousadia! Ousadia que só é possível pelo poder do Espírito Santo! Após dizer que não é perfeito, cheio de falhas e que seu currículo de vida não vale nada, Paulo se vira para comunidade de Filipos e diz: sejam meus imitadores. Você teria esta ousadia? Pois, saiba que há pessoas que estão olhando para o seu exemplo de vida e fé para aprender. A responsabilidade não está em quem imita, mas em quem é imitado. Portanto, vigie, ore e desenvolva sua fé rumo ao alvo, aguardando ansiosamente a volta do Salvador, nosso Senhor Jesus Cristo!

Semana que vem continuamos na nossa jornada, olhando para o quarto e último capítulo de Filipenses

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