A carta da alegria: alegria em anunciar

Giovanni Alecrim
9 min readJun 4, 2022

Em tempos de profundas tristezas e clima tenso na política, sociedade e economia, a boa nova de salvação vem para nos colocar na perspectiva da vida que realmente é vida. A vida que liberta, fortalece e cura. A vida em alegria que somente aqueles que superaram os desejos e anseios deste tempo conseguem experimentar. Quando superamos as expectativas de nossos dias, encontramos nossa essência nas mãos daquele que nos chamou para uma vida de proclamação e sofrimento, e isto nos alegra demais.

É olhando para uma carta permeada de alegria que vamos passar juntos o mês de junho. Não é um convite para nos alienarmos de tudo ao nosso redor, mas sim para nos alinharmos com a alegria que é viver a vontade de Deus. É assim que vamos olhar, em quatro domingos, para a carta de Paulo aos Filipenses. Conforme formos lendo o texto, por blocos, vamos comentando o que está ali e situando no tempo e espaço o que está sendo colocado. Iniciemos, então, nossa jornada com o capítulo 1.

Saudações de Paulo

¹Paulo e Timóteo, escravos de Cristo Jesus, escrevemos a todo o povo santo em Cristo Jesus que está em Filipos, incluindo os bispos e diáconos.

²Que Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo lhes deem graça e paz.

Paulo fundou a comunidade cristã de Filipos em sua segunda vigem missionária, entre 50 e 52 d.C. ele estava em Trôade, na Ásia Menor, quando, ali, segundo Atos 16.9: “Naquela noite, Paulo teve uma visão, na qual um homem da Macedônia em pé lhe suplicava: “Venha para a Macedônia e ajude-nos!””. Fruto da visão, Filipos foi a primeira parada na Via Egnatia (estrada que ligava Roma à Macedônia), onde Paulo se hospedou na casa de Lídia e você pode ler esta história em Atos 16. Ali, ele se encontrou com a comunidade judaica, no sábado, em seu “lugar de oração”.

A cidade de Filipos, da qual hoje só restam ruínas, foi uma notável cidade da antiguidade. Fundada em VII a.C. com nome de Crenides — fontes — foi anexada por Filipe II da Macedônia que lhe deu seu nome, cerca de 360 a.C. Em 42 a.C., depois que Antônio e Otávio, futuro Imperador Augusto, venceram Cassio e Bruto, assassinos de César, perto de Filipos, a cidade teve sua população e relevância aumentada, por conta de veteranos do exército que se estabeleceram ali. Tornou-se uma colônia romana, sendo considerada jus italicum, com os mesmos direitos de uma cidade italiana, respondendo diretamente à Roma, da qual reproduzia a estrutura de funcionários, magistrados e guardas imperiais. Nos dias de Paulo, as minas estavam esgotadas e seus recursos reduzidos, mesmo assim, Filipos não deixava de ser uma importante cidade para o Império, ligando o norte do Mar Egeu ao Mar Adriático, através da Macedônia.

É nesta Filipos que Paulo chega e é a esta Filipos que escreve sua carta. Uma cidade que se compunha sobretudo de latinos, que se misturavam com gregos e macedônios remanescentes. A comunidade judaica era reduzida, não tinha sinagoga e se reuniam às margens do Rio Gangite, dois quilômetros da cidade.

Ação de graças e oração de Paulo

³Todas as vezes que penso em vocês, dou graças a meu Deus. ⁴Sempre que oro, peço por todos vocês com alegria, ⁵pois são meus cooperadores na propagação das boas-novas, desde o primeiro dia até agora. ⁶Tenho certeza de que aquele que começou a boa obra em vocês irá completá-la até o dia em que Cristo Jesus voltar.

⁷É apropriado que eu me sinta assim a respeito de vocês, pois os tenho em meu coração. Vocês têm participado comigo da graça, tanto em minha prisão como na defesa e confirmação das boas-novas. ⁸Deus sabe do meu amor por vocês e da saudade que tenho de todos, com a mesma compaixão de Cristo Jesus.

⁹Oro para que o amor de vocês transborde cada vez mais e que continuem a crescer em conhecimento e discernimento. ¹⁰Quero que compreendam o que é verdadeiramente importante, para que vivam de modo puro e sem culpa até o dia em que Cristo voltar. ¹¹Que vocês sejam sempre cheios do fruto da justiça, que vem por meio de Jesus Cristo, para a glória e o louvor de Deus.

Apesar da brevidade de sua permanência em Filipos, Paulo nutre profundos afetos e doces lembranças daquela comunidade. Para quem já leu Atos 16, sabe que isso pode soar estranho, pois ali Paulo e Silas foram presos e açoitados por anunciarem o evangelho e serem alvos de um motim dos cidadãos. Mas as doces lembranças não eram apenas do sofrimento pelo Evangelho, mas pelas pessoas e o testemunho e firmeza da fé daqueles que eles conheceram e conviveram, por isso ele se enche de alegria em lembrar deles. Havia certa consonância e intimidade entre o apóstolo e a comunidade, tanto que é a única de quem o apóstolo aceita oferta financeira.

A mensagem pregada por Paulo não era um alento temporário, mas sim o Evangelho da Eternidade, por isso ele declara sua certeza da completude da boa obra na vida dos Filipenses (v.6). Firmados nesta mensagem, o desejo do apóstolo é que a comunidade se desenvolva cada vez mais diante de Cristo, exercendo o Evangelho para o louvor e glória de Deus.

A alegria de Paulo por Cristo ser anunciado

¹²Quero que saibam, irmãos, que tudo que me aconteceu tem ajudado a propagar as boas-novas. ¹³Pois todos aqui, incluindo toda a guarda do palácio, sabem que estou preso por causa de Cristo. ¹⁴E, por causa de minha prisão, a maioria dos irmãos daqui se tornou mais confiante no Senhor e anuncia a mensagem de Deus com determinação e sem temor.

¹⁵É verdade que alguns anunciam a Cristo por inveja e rivalidade, mas outros o fazem de boa vontade. ¹⁶Estes pregam por amor, pois sabem que fui designado para defender as boas-novas. ¹⁷Aqueles, no entanto, anunciam a Cristo por ambição egoísta, não com sinceridade, mas com o objetivo de aumentar meu sofrimento enquanto estou preso. ¹⁸Mas nada disso importa. Sejam as motivações deles falsas, sejam verdadeiras, a mensagem a respeito de Cristo está sendo anunciada, e isso me alegra. E continuarei a me alegrar, ¹⁹pois sei que, com suas orações e o auxílio do Espírito de Jesus Cristo, isso resultará em minha libertação.

Paulo faz menção à sua prisão. Mas qual prisão? Roma? Cesareia? Éfeso? Por que saber o local é importante? Porque ajuda a determinar a data da escrita. Roma foi a mais difundida até o século XIX, contra ela, no entanto, pesa a questão dos contatos rápidos entre o apóstolo e a comunidade, algo que é explicitado na carta. Cesareia foi uma hipótese levantada no início do século XX baseada em Atos 24ss, contra esta teoria pesa o fato de que, em Cesareia, Paulo permaneceu pouco tempo e logo foi levado para Roma. Éfeso é a teoria mais recente e encontra respaldo mais contundente nos relatos bíblicos, situado no decurso da terceira viagem missionária. A distância entre Éfeso e Filipos, a menção a estruturas de civis típicas de uma capital de província, as menções ao desejo de viajar para Macedônia, o conteúdo próximo ao das cartas aos Colossenses e Efésios, o léxico semelhante aos das cartas ao Coríntios, Gálatas e Romanos. Contra a teoria do cativeiro em Éfeso, pesa o fato de não haver menção a tal cativeiro em Atos. Da mesma forma, Atos também não fala muito sobre a permanência de Paulo ali, mesmo o apóstolo afirmando ter permanecido três anos em Éfeso. Não apenas o cativeiro em Éfeso, mas outros cativeiros não são citados em Atos. O que nos permite fechar com a hipótese de que foi em Éfeso e podemos situar em 56 d.C. a escrita da carta, ao lado das 1 e 2 de Coríntios, Gálatas e Romanos, escritas entre 56–58 d.C.

É da prisão que Paulo revela sua alegria em saber que o Evangelho, apesar das correntes, é anunciado. Não há correntes que aprisionam o Evangelho, por isso, Paulo afirma que não importa como, nem onde, o que importa é que o Evangelho é anunciado. A ocasião é a todo momento, o local é em todo lugar, e o momento é a todo momento. O Evangelho é parte da vida do apóstolo e ele reconhece que também é parte da comunidade de Filipos, ainda que alguns ali o façam por inveja e rivalidade. Paulo não está tomado de uma paixão infantil pela comunidade aos Filipenses, ele ama aquela igreja, e por isso reconhece os problemas da comunidade e, apesar deles e por causa deles, ama aquela Igreja.

A vida de Paulo é dedicada a Cristo

²⁰Minha grande expectativa e esperança é que eu jamais seja envergonhado, mas que continue a trabalhar corajosamente, como sempre fiz, de modo que Cristo seja honrado por meu intermédio, quer eu viva, quer eu morra. ²¹Pois, para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro. ²²Mas, se continuar vivo, posso trabalhar e produzir fruto para Cristo. Na verdade, não sei o que escolher. ²³Estou dividido entre os dois desejos: quero partir e estar com Cristo, o que me seria muitíssimo melhor. ²⁴Contudo, por causa de vocês, é mais importante que eu continue a viver.

²⁵Ciente disso, estou certo de que continuarei vivo para ajudar todos vocês a crescer na fé e experimentar a alegria que ela traz. ²⁶E, quando eu voltar, terão ainda mais motivos para se orgulhar em Cristo Jesus pelo que ele tem feito por meu intermédio.

O testemunho apostólico é firmado no Evangelho. O anúncio do Evangelho era a missão essencial de Paulo. Ao afirmar que o viver é Cristo, e o morre é lucro Paulo está mostrando a profundidade de seu compromisso com o Evangelho. Se morrer, estará face a face com seu Senhor e Salvador, enquanto vive, vive para anunciar a todo momento e instante o Evangelho. Este é um versículo muito conhecido e pouco vivido pelos cristãos ao nosso redor. Quem aqui teria a autoridade e a coragem de fazer tal declaração? Somente quem verdadeiramente vive para Cristo. Paulo foi destinado a viver pelo evangelho (1.16), se preso é para proveito do Evangelho (1.12), as palavras de louvor e graça para os Filipenses não é tanto pela generosidade da comunidade, mas sim por eles tomarem parte do Evangelho (1.5), na defesa e afirmação do Evangelho. O Evangelho é o cerne da vida de Paulo e a razão da alegria desta carta.

Uma vida digna das boas-novas

²⁷O mais importante é que vocês vivam em sua comunidade de maneira digna das boas-novas de Cristo. Então, quando eu for vê-los novamente, ou mesmo quando ouvir a seu respeito, saberei que estão firmes e unidos em um só espírito e em um só propósito, lutando juntos pela fé que é proclamada nas boas-novas. ²⁸Não se deixem intimidar por aqueles que se opõem a vocês. Isso é um sinal de Deus de que eles serão destruídos, e vocês serão salvos. ²⁹Pois vocês receberam o privilégio não apenas de crer em Cristo, mas também de sofrer por ele. ³⁰Estamos juntos nesta luta. Vocês viram as dificuldades que enfrentei no passado e sabem que elas ainda não terminaram.

O amor e a centralidade do Evangelho na vida do apóstolo é manifesta na pregação e testemunho dele junto aos Filipenses. É este testemunho que faz com que o apóstolo afirme que o mais importante é que vivam em comunidade de maneira digna das boas-novas de Cristo. Este apelo está firmado no Evangelho da salvação e não é um convite à vida de prazeres, mas de sofrimento. No entanto, as perseguições não será motivo de intimidação, mas sim de alegria, pois temos o privilégio não apenas de crer, mas de sofrer por Cristo.

A caminhada do Evangelho não é feita na solidão, mas sim na comunidade. O testemunho apostólico não é algo alheio à realidade, mas é parte da vida dos Filipenses. Não é um pregador na tela de um celular em um vídeo do YouTube, é uma vida, real, palpável, acessível e que está presente na vida da comunidade, por isso ele pode afirmar categoricamente: estamos juntos nesta luta!

Conclusão

Quero, para concluir, destacar quatro atitudes recomendadas por Paulo aos Filipenses e que devemos praticar em nossos dias:

  1. Transborde em amor: ao fazê-lo, você crescerá em discernimento e conhecimento, aprenderá a não confundir moralismo e tradicionalismo com Evangelho que liberta e nos faz viver sem culpa diante de Cristo.
  2. Pregue por amor: ao fazê-lo, você testemunhará que não há cadeias — sejam físicas ou mentais– que possam impedir que a alegria do Evangelho tome sua vida. Não há desculpas para ficar calado.
  3. Honre a Cristo: ao fazê-lo, você viverá para Cristo e o morrer será lucro. Enquanto aguardamos o encontro com Cristo, vivemos para produzir frutos para Cristo.
  4. Viva seu privilégio: ao fazê-lo, vivemos para crer em Cristo e sofrer por ele. Você não está sozinho nesta luta, nós vamos juntos, com os que foram chamados por Cristo para a nova vida!

Semana que vem continuamos na nossa jornada, olhando para o segundo capítulo de Filipenses

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